Thursday, April 22, 2010

 

Trecho de Vida Breve

Vida Breve

Romance de Juan Carlos Onetti – dos maiores de todos os tempos...

“…Chamei um táxi. Recostei-me no assento com os olhos fechados, respirando o ar com força, pensando: ‘É nessa idade que a vida começa a ser um sorriso torcido’, admitindo, sem protestos, o desaparecimento de Gertrudis, Raquel, de Stein, de todas as pessoas que me cabia amar; admitindo minha solidão como fizera antes com minha tristeza; um sorriso torcido. E descobrimos que a vida está cheia, e não é de hoje, de mal-entendidos. Gertrudis, meu trabalho, minha amizade com Stein, a sensação que tenho de mim mesmo, mal-entendidos. Fora isso, nada; de vez enquanto algumas oportunidades de esquecimento, alguns prazeres, que chegam e passam envenenados. Talvez todo tipo de existência que eu possa imaginar deva transformar-se num mal-entendido. Talvez, pouco importa. Entretanto, sou este homem pequeno e tímido, imutável, casado com a única mulher que seduzi ou que me seduziu, incapaz, não mais de ser outro, mas da própria vontade de ser outro. O homenzinho que sofre à medida que o infortúnio cresce, o homenzinho confuso em meio à legião de homenzinhos, aos quais foi prometido o reino dos céus. Asceta, como zomba Stein, pela impossibilidade de me apaixonar e não pela absurda aceitação de uma convicção eventualmente mutilada. Este eu, no táxi, inexistente, mera encarnação da ideia Juan María Brausen, símbolo bípede de um puritanismo barato. Feito de negativas – não ao álcool, não ao tabaco, um não equivalente às mulheres – ninguém, na realidade; Um nome, três palavras, uma diminuta ideia construída mecanicamente por meu pai, sem oposições, para que suas também herdadas negativas continuassem sacudindo as envaidecidas cabecinhas mesmo depois de sua morte. O homenzinho e seus mal-entendidos., definitivamente, como para todo mundo. Talvez seja isso o que vamos aprendendo com os anos, insensivelmente, sem prestar atenção. Talvez os ossos saibam disso, e quando estamos decididos e desesperados, no alto do muro que nos encerra, tão fácil de pular – se fosse possível pulá-lo; quando estamos a um passo de aceitar que, definitivamente, só nós mesmos é que importamos, porque somos a única coisa que nos foi indiscutivelmente confiada; quando vislumbramos que somente a própria salvação pode ser um imperativo moral, que somente ela é moral; quando conseguimos respirar por uma imprensada fresta o ar natal que vibra e chama do outro lado do muro, imaginar o júbilo, o desprezo e a desenvoltura, então talvez nos pese, como um esqueleto de chumbo enfiado nos ossos, a convicção de que todo mal-entendido é suportável até à morte, menos o que venhamos a descobrir fora de nossas circunstâncias pessoais, fora das responsabilidades que podemos rejeitar, atribuir, derivar”.

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