Friday, October 28, 2011

 

Guillaume Le Blanc

Mais louco é quem me diz
Por Carla Rodrigues | Para o Valor, do Rio

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"A Extração da Pedra da Loucura", de Bosch: pensamento de Foucault está sendo ameaçado por argumentos científicos que buscam configurar a loucura como um defeito no cérebro, diz Le Blanc

O filósofo francês Guillaume Le Blanc nasceu em 1966, cinco anos após Michel Foucault ter publicado "História da Loucura", livro cuja importância tem merecido comemorações e homenagens pelo seu caráter revolucionário. Foi a partir de Foucault que se modificou a maneira como a sociedade encara o louco, o estranho e todos aqueles que não podem enquadrados nas categorias de normalidade. Dedicar-se a estudar Foucault foi, para Le Blanc, perseguir o caminho do questionamento das estruturas de poder que promovem a classificação das vidas comuns em perigosas, submetidas, portanto, a estratégias de dominação que hoje, em um contexto de mudança nas formas de tratamento, está em franco processo de deslocamento.

Com Foucault, Le Blanc discute também as novas formas de normatização da vida, submetidas às razões médicas e aos interesses da indústria farmacêutica. "Temos que inventar novas formas de subjetividade que não se deixem capturar pelas razões médicas", defende.

Le Blanc é professor da Universidade Michel de Montaigne, em Bordeaux, onde também mantém um grupo de pesquisa sobre medicina e suas relações com a vida social. Na próxima semana, participará em São Paulo do VII Colóquio Michel Foucault, promovido pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) em comemoração dos 50 anos do livro de Foucault.

Autor de livros consagrados a estudar essas figuras de precariedade que inspiraram a obra de Foucault ("Vidas Ordinárias, Vidas Precárias", 2007; "Dentro/fora - A Condição do Estrangeiro", 2010; "O Que fazer da Nossa Vulnerabilidade", 2011), Le Blanc acha que a força do pensamento de Foucault está sendo ameaçada pelos argumentos científicos que buscam configurar a loucura como um defeito em uma parte do cérebro. "É um risco grande", diz ele nesta entrevista.

"Temos que inventar novas formas de subjetividade que não se deixem 'medicalizar' e façam uma crítica das razões médicas"

Valor: Qual é a atualidade de "História da Loucura", 50 anos depois?

Guillaume Le Blanc: As coisas mudaram depois do livro de Foucault. O sistema manicominial, criticado por Foucault nos anos 1960, já não parece capaz de conter os selvagens de hoje. O que é a loucura atualmente? É o clamor inquieto de um grupo de sem-teto que precisa ser abrigado em dispositivos de cuidados sociais? É o silêncio do prisioneiro em sua cela? É a rua, essa é a prisão? O medo do louco é reavivado a partir de seus supostos perigos e o manicômio não parece ser capaz de responder plenamente a esse medo. O que se assiste agora é a uma multiplicação de dispositivos de controle, nos quais a loucura parece se disseminar em um grande número de estruturas, promovendo novas confusões entre o louco, o pobre e o criminoso.

Valor: O livro de Foucault marca o início de um movimento antipsiquiátrico para mostrar que o conceito de loucura é uma construção. O senhor acredita que esse movimento conseguiu interrogar os manicômios e suas condições?

Le Blanc: Houve de fato uma associação muito rápida entre Foucault e a antipsiquiatria. Mas nem o gesto de [Philippe] Pinel de liberar os loucos nem o gesto antipsiquiátrico de tirar os loucos dos manicômios seriam suficientes, para Foucault, como estratégia de anular as formas de saber e de poder que construíram a loucura e seus dispositivos terapêuticos e sociais. O trabalho de Foucault se inscreve numa história da contestação das linhas divisórias entre o normal e o patológico. Ele questionou o tipo de separação que nossas culturas ocidentais modernas produziram entre loucura e razão. Desde o seu primeiro prefácio, ele argumenta que seria preciso fazer uma "história dos limites, dos gestos obscuros, necessariamente esquecidos ou ocultos, com os quais uma cultura rejeita qualquer coisa que lhe seja exterior". Parte da crise atual do hospital psiquiátrico também se explica pela retomada dos discursos da biologia do cérebro e do afastamento da psiquiatria em relação à psicanálise. A tarefa que me parece urgente é pensar a disciplina numa situação de crise da disciplina. Trata-se de governar os indisciplinados? Se é assim, a disciplina tende a se expandir para estruturas sociais anônimas, como a rua, ou mais arcaicas, como a prisão.

Valor: Quais são as consequências, ainda hoje, de pensar a loucura como construção histórica e cultural?

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Guillaume Le Blanc: "A psicanálise deve voltar a ser uma arma de crítica social. As pessoas não querem mais ter a cabeça governada por novos saberes ou novas formas de polícia"

Le Blanc: Foucault nos permitiu compreender que antes de tudo há um indivíduo que incomoda, alguém com quem não se sabe o que fazer e abala nosso ideal de humanidade. Esse potencial do pensamento de Foucault está sendo ameaçado pelas novas tentativas, todas muito científicas, de recolocar a loucura dentro de uma parte do cérebro e assim renaturalizar o louco como esse indivíduo cujo cérebro está desajustado. O risco, hoje, é de "biologizar" de novo o louco e assim perder os seus contornos sociológicos e antropológicos. É um risco grande. A loucura instalada numa área do cérebro novamente justifica a circunscrição do louco como o anormal.

Valor: Tomando como referência o grande número de diagnósticos de depressão, síndrome do pânico e transtorno de ansiedade, o senhor acha que escrever uma história da loucura, hoje, seria interrogar os discursos médicos sobre essas doenças?

Le Blanc: É uma questão muito importante. Estudando a história da formação do saber em relação à história da formação dos poderes, encontraremos um domínio no qual as fronteiras entre o normal e o patológico são particularmente frágeis. Trata-se de pensar sobre as implicações sociais e éticas das análises históricas numa proporção que Foucault talvez não tenha podido explicitar totalmente. Um exemplo: a construção da criança como sujeito potencialmente patológico, hiperativo, e a conexão desses saberes sobre a hiperatividade com o domínio muito poderoso da indústria farmacêutica e o uso da ritalina. Quando a criança é declarada hiperativa, o diagnóstico dado pelo médico é acompanhado de uma prescrição farmacêutica sem precedentes, na qual o alvo é uma população inteira de sujeitos. O que fazemos diante desse poder e desse saber? Queremos ser governados como esses pais que se tornam intermediários do poder farmacêutico e garantem a "medicalização" do poder familiar? Não se trataria de organizar outras narrativas da vida infantil, outros modos de educação que teriam a tarefa de rejeitar essa "medicalização" excessiva sobre nossa vida? Temos que inventar novas formas de subjetividade que não se deixem "medicalizar" e façam uma crítica das razões médicas.

Valor: Quais são as consequências políticas do reconhecimento de que a distinção entre o normal e o patológico é uma forma de enquadrar aquele que aparece como o estranho, o Outro. O que há de profundamente ético no livro de Foucault é a percepção de que o Outro, o estranho, o estrangeiro, só pode ser definido por um discurso?

Le Blanc: Sou um estudioso das figuras sociais da alteridade, sobre as quais escrevi em meus livros. Observo que a alteridade não é uma figura neutra a ser simplesmente reconhecida. O outro é, antes de tudo, aquele que é tornado outro por uma comunidade de sujeitos que se supõe ao lado da norma. O precário tende a se tornar outro como parte de um trabalho de integração que precisa apontar para o que está fora do grupo. O estrangeiro é o sujeito que o grupo considera não fazer parte da nação, ele é usado como instrumento de constituição do grupo. É preciso compreender que o fato de apontar para uma determinada vida como a que representa o outro é uma forma de recusar a sua alteridade, a sua vulnerabilidade. O que aconteceria se nós vivêssemos com a percepção de que somos também precários, estrangeiros, vulneráveis? Apenas com uma atitude ética de não violência que reconhece a violência das nossas exclusões poderíamos assumir uma alteridade que não seria sinônimo de injúria, mas o reconhecimento da pluralidade de formas de vida.

Valor: "História da Loucura" foi um livro homenageado ao longo de todo o século XX. No congresso de comemoração do 30º aniversário de sua publicação, uma grande controvérsia em torno do trabalho de Foucault foi protagonizada pelo filósofo Jacques Derrida, ao afirmar que o trabalho de Foucault não poderia ter sido escrito antes da invenção da psicanálise e da formulação freudiana do conceito de inconsciente. Derrida propunha, então, fazer justiça a Sigmund Freud. Em que medida as críticas de Derrida eram pertinentes?

Le Blanc: Acredito que teremos que ler de outra forma os pensadores dos anos 70, como Foucault, Derrida e todos aqueles que parecem ter participado de uma prática filosófica como contracultura, como uma tentativa de não ser totalmente governado pelas normas dominantes. A psicanálise foi um discurso hegemônico nos anos 70, lugar que não ocupa mais hoje, diante do poder do paradigma naturalista nas ciências da psiquê. Ser justo com Freud, segundo a célebre formulação de Derrida, significa que a psicanálise deve ser questionada também como um dispositivo, como Foucault demonstrou em "As Palavras e as Coisas". Mas isso supõe que a psicanálise faça justiça a Foucault, aceitando questionar os pertencimentos simbólicos que ela põe de maneira excessiva nos sujeitos, com um discurso de ordem ou de lei particularmente insuportável. A filosofia de Judith Butler se constitui numa boa maneira de fazer justiça, ao mesmo tempo, a Foucault e a Freud. A psicanálise deve voltar a ser uma arma de crítica social. As pessoas não querem mais ter a cabeça governada por novos saberes ou novas formas de polícia.

Valor: Já que o senhor mencionou a filósofa americana Judith Butler, muito bem recebida na França, onde muitos de seus livros são traduzidos: acredita que a atualidade do pensamento dela é justamente a sua capacidade de criticar os limites de pensadores franceses dos anos 70? É curioso, ou pelo menos irônico, que essa crítica venha dos Estados Unidos?

Le Blanc: O primeiro livro de Judith Butler traduzido na França foi "A Vida Psíquica do Poder", no qual ela se inspirou em Foucault e em Derrida. Ela propõe um diálogo com a psicanálise de Jacques Lacan e de Freud, fazendo cruzamentos de leitura inéditos na França. Para mim, ela é o relançamento de uma crítica social ao fazer uma análise das produções de si dentro das normas, especialmente nas normas de gênero. A originalidade do seu pensamento está no fato de ela operar uma desconstrução não por uma libertação dessas normas, mas por uma forma de subversão que se elabora no próprio ato de atender a essas normas. As identidades, assim, não precedem o exercício da norma, mas é esse exercício mesmo que acaba por criar as identidades. A repetição das normas está sempre acompanhada da possibilidade de subvertê-las. Existem nas universidades americanas, não nos departamentos de filosofia, mas nos de literatura e ciências políticas, novas maneiras de fazer filosofia que se inspiram no pensamento francês dos anos 70. Talvez seja outra América.

 

Elena Landau OESP

Bola quadrada no campo enlameado

'Esporte no Brasil é o seguinte: a gerência é privada, mas os recursos são públicos. Assim fica fácil', diz economista Elena Landau

23 de outubro de 2011 | 3h 06



O Estado de S.Paulo – Seção ‘Aliás’

CHRISTIAN CARVALHO CRUZ

Botafoguense tem cada uma... Dia desses a economista e advogada carioca Elena Landau praticava caminhada e sentiu uma dor aguda no quadril. "Fisgada no ilíaco. Meu amigo, você sabe o que é uma fisgada no ilíaco?", ela destrincha, na maior das intimidades atléticas com o músculo acomodado nas cavidades ósseas das ancas. Com dificuldade para andar, foi afastada pelo departamento médico das cadeiras do Engenhão, de onde costuma ver as partidas do Botafogo quando o time joga no Rio. Trocou o estádio pela sala de casa. A visão direta do campo, pela intermediação da TV. Bem sem graça, ela achou. "Só que aí o Botafogo começou a subir na tabela e eu não quis arriscar: melhorei do ilíaco, mas não voltei pro estádio", conta.

O time ainda vai bem no Campeonato Brasileiro, com chance de ser campeão. Se isso tem a ver com a heterodoxia de arquibancada de Elena, não há como saber. Mas não deixa de ser curioso comparar. Integrante da linha de economistas da PUC-RJ que formaram a zaga do governo FHC, naqueles tempos ela era chamada de ortodoxa por comandar - "sem jogo de cintura", diriam os oposicionistas de então - o processo de privatização das empresas públicas. A plaquinha na porta do escritório ajudava nessa imagem: diretora de desestatização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES.

É de dentro da área, portanto, que Elena fala: "O projeto da Copa do Mundo no Brasil está errado de partida. É um evento privado, destinado a atender interesses privados, mas que conta com recursos públicos. Tem cidade que faria melhor uso do dinheiro do BNDES se construísse metrô e corredor de ônibus, porque não tem renda nem público suficiente para fazer um payback do investimento". Elena hoje trabalha como advogada numa grande banca no Rio e assessora o Instituto Teotônio Vilela, órgão de estudos ligado ao PSDB.

Numa semana rica em bolas quadradas rolando por campos enlameados - acusações contra o ministro do Esporte, Orlando Silva, ONGs de fachada, queda de braço entre o governo e a Fifa por meias-entradas e venda de cerveja nos estádios da Copa - o Aliás convocou Elena para comentar o jogo, mas ela avisou: "Houve um tempo em que eu acreditava que a gestão do esporte brasileiro podia mudar. Montei uma consultoria esportiva e até trabalhei no Atlético Mineiro e no Botafogo". Diz que desistiu por cansaço. Deu cãibra na paciência, estiramento no desencanto. Sentiu-se vencida pelo jogo travado que se disputa no setor e, apesar de conhecer bem a cancha, agora prefere atuar como uma torcedora especializada, por assim dizer. "Hoje em dia os meus comentários sobre esporte são de pessoa física." A eles, pois.

Esporte é questão de Estado?

Depende. O esporte ligado a educação, sociabilidade, cidadania e formação do indivíduo, como agente transformador de vidas, este é questão de Estado. Mas Copa do Mundo certamente não é. Trata-se de um evento privado. Como um show do U2 ou do Justin Bieber. Uma Copa só seria assunto de Estado se usada para alavancar uma transformação do espaço urbano. E, pelo que estamos vendo atualmente e também pela experiência dos Jogos Pan-Americanos de 2007 no Rio, sabemos que não é esse o caso. O Pan de 2007 não revitalizou nada, não melhorou a cidade. Tem o estádio do Engenhão, que é onde joga o meu Botafogo e é até um bom estádio. Mas e o entorno? Aquilo é um abandono só, não há sequer transporte público decente para chegar lá. Acho importante separar esses conceitos entre público e privado para entender as causas da precariedade do esporte no Brasil.

Terceirizar o esporte para ONGs seria uma dessas causas?

O Brasil conseguiu desmoralizar a utilização das ONGs, que conceitualmente têm valor. Mas houve um exagero nessa terceirização do esporte. No fundo, as ONGs de esporte fazem hoje o que a escola pública fazia antigamente, mas deixou de fazer por causa do abandono e da decadência do ensino público, decadência física, inclusive. Há colégios que não têm quadra de esportes e precisam fazer convênio com academia de ginástica para ter aula de educação física. Para resumir, eu diria que o Estado brasileiro deixou de cumprir seu papel. Se achamos que o esporte é suficientemente relevante a ponto de ter um ministério específico, precisamos definir uma política esportiva clara para o País. Mas ministério no Brasil serve para assegurar governabilidade, preencher cotas dos partidos da coalizão.

Nada se salva em termos de política esportiva por aqui?

Em 2016 vamos sediar uma Olimpíada no Rio. Ok. Mas queremos desenvolver seriamente quantas modalidades olímpicas até lá? Três? Trinta? Temos aptidão para todas elas? Vamos investir só nas quais já somos bons ou também nas quais precisamos melhorar? O Brasil nem sequer sabe responder a essas perguntas. O projeto do Ministério do Esporte para a Olimpíada no Rio em 2016 é só fazer a Olimpíada no Rio em 2016. É um projeto de obras, não um projeto esportivo. A Austrália, quando sediou os Jogos em 2000, criou um programa para a natação que dá frutos até hoje. Eles não queriam passar o vexame de não ganhar medalha dentro de casa. No Brasil impera a mentalidade da escavadeira: "Oba, vamos sediar uma Olimpíada porque assim podemos usar o orçamento pra fazer obra. Se ficarmos em último lugar no quadro de medalhas, não tem problema". É vergonhoso ver os ginastas brasileiros, que são uns heróis, talentosíssimos, mendigando patrocínio. E ao mesmo tempo ver uma ONG levando dinheiro do governo para comprar camiseta. Que diabo o governo tem que comprar camiseta pra ONG?! Por outro lado, não acho que ONG deva formar atletas olímpicos. Como se forma um atleta de competição, eu não sei. O Brasil vive de modismos, de ídolos momentâneos, como a seleção de vôlei do Bernardinho, o Gustavo Kuerten no tênis, anos atrás.

Mas por que nunca aproveitamos essas modas para criar uma política esportiva consistente?

O problema é que o Brasil não tem uma filosofia de trabalho nesse sentido, não segue nenhum dos dois modelos básicos de programas esportivos que conhecemos: o de participação maciça do Estado no desenvolvimento de atletas, como em Cuba ou na China, e o de formação nas escolas e universidades, como nos Estados Unidos. Aqui não temos nem um nem outro. Estamos perdidos no meio do caminho. Apesar de dizerem que nós temos a participação do Estado nos esportes, o fato é que o Brasil privatizou - e privatizou mal - os esportes. Entregou sem critério nenhum para federações e confederações, que não passam de feudos políticos. Então, quem cuida do esporte brasileiro? As ONGs, micro-organismos pulverizados e sem uma política unificada e organizada, ou as federações e confederações. Ou seja, quando é conveniente, o esporte é público, e aí pede dinheiro ao governo para os programas das ONGs, e quando não é conveniente, quando tem que prestar contas, ser transparente, reclama-se da interferência do governo em assunto privado. Eu sou a última pessoa a ser contra privatização de alguma coisa, mas vejo claramente uma apropriação indevida do esporte brasileiro pelo setor privado. Nosso modelo é o seguinte: a gerência é privada, mas os recursos são públicos. Assim fica fácil.

Qualquer semelhança com a Copa de 2014 é mera coincidência?

A Copa do Mundo é um evento da Fifa. Não é de governo de país nenhum e ninguém obriga um governo a se oferecer para sediá-la. Quem tem vontade de receber uma Copa se candidata porque quer. E desde o começo conhece as regras estabelecidas pelo dono do negócio, no caso, a Fifa. Então não vale agora, no final do segundo tempo, vir discutir se o Brasil está vendendo sua soberania ao ceder a pressões da Fifa para mudar esta e aquela legislação interna. Isso é uma bravata, uma coisa nacionalista, ufanismo bobo. Quando apresentou sua candidatura, o Brasil sabia perfeitamente onde estava se metendo. E aí fica discutindo a filigrana da meia-entrada e da venda de bebida dentro dos estádios. Aliás, deveriam aproveitar o momento para liberar de vez a venda de bebida. Isso é uma hipocrisia. Bebe-se tranquilamente nas barraquinhas em torno do estádio. E até parece que as torcidas organizadas deixam de brigar porque não podem mais beber. É simples resolver a questão da violência. O cidadão arrumou encrenca? Que ele seja retirado, fichado e impedido de voltar. A Inglaterra fez isso e funcionou...

Você falava que o Brasil conhecia as regras do jogo quando apresentou a candidatura.

Por causa do nosso histórico futebolístico, nós até gostaríamos de acreditar que para a Fifa é uma honra fazer uma copa no Brasil, o "país do futebol". Mas a Fifa, obviamente, não poderia estar ligando menos pra isso. O que ela quer é ganhar o dinheiro dela e acabou. Ela chega, não coloca um tostão, ganha bilhões e vai embora. Isso não é novidade. O projeto da Copa no Brasil está errado desde a partida, porque foi feito pela CBF, também uma empresa privada, a fim de preservar seus feudos políticos regionais. É um projeto sem sentido. O governo brasileiro entra com dinheiro público - dinheiro do meu, do seu, do nosso imposto - em um projeto privado destinado a atender somente a interesses privados. Aí vem o BNDES e financia estádios em locais que jamais terão público suficiente para fazer um payback do investimento. Jamais. Isso é dinheiro a fundo perdido. Nem o estádio do Corinthians vai dar retorno. Teria se o clube colocasse 60 mil pessoas lá dentro em todos os jogos. Mas vemos pelo Campeonato Brasileiro que a média de público do Corinthians, que tem a maior torcida do Brasil (os flamenguistas que me desculpem), mal chega à metade disso. Se o setor privado tivesse se interessado pela construção dos estádios, o BNDES poderia financiar a transformação urbana das cidades. Eu não vou citar quais, para não melindrar prefeitos e governadores, mas tem cidade aí que certamente faria melhor uso do dinheiro do BNDES se construísse metrô e corredor de ônibus.

Por que o setor privado não se interessou pelos estádios?

Por que eles não vão dar dinheiro. Fizeram algum estudo econômico sério nas sedes da Copa? Desconheço. Vamos ter estádio digno de país com renda per capita de US$ 10 mil encravados em cidade com renda per capita que é um quinto disso. Como é que a iniciativa privada vai se interessar por algo assim? Mas o problema maior é mais antigo, vem antes da Copa. Nós devíamos estar nos perguntando por que o Brasil, com toda sua força de pentacampeão do mundo e gerador de craques, não tem estádios com nível internacional até hoje. A resposta é simples: porque não tem público, a média de público é deprimente, e não tem público porque o futebol brasileiro não é feito para atender o público. Quem programa um jogo de futebol para as 10 da noite de quarta-feira não está interessado na receita gerada pelo público. Mas deveria estar, porque um tipo de geração de receita não exclui o outro. Na Europa adotam um modelo de receita tripla: tem a parte da televisão, a do público pagante e a do marketing dos clubes. Só que lá, quando você vai assistir a um jogo de futebol, o estádio é limpo, confortável, seguro, tem transporte público na porta, comida de qualidade, lojas, lugar marcado, horário decente para que o jogo seja um programa familiar e um calendário imexível. Não tem esse negócio de adiar jogo porque vai haver um amistoso inútil da seleção contra o Gabão só para satisfazer interesse de patrocinador da federação. Desse modo, o público é garantido; e público garantido faz brilhar os olhos do setor privado. Mas o que temos no Brasil? Se a CBF não faz nada direito no futebol interno, como é que podemos esperar que ela possa fazer uma Copa direito?

Você estatizaria a CBF?

Eu preferiria que não fosse privada. Ao contrário do que se fez no setor elétrico, por exemplo, em que a exploração do serviço foi concedida mediante licitação, nunca houve uma licitação que desse à CBF o direito e o monopólio de representar o futebol brasileiro. Mas não tem como mudar. Não há elemento jurídico para isso. Me incomoda que a CBF não esteja preocupada com o futebol brasileiro. Não vejo problema que ela ganhe dinheiro, desde que licitamente, mas acho mal resolvido o uso que ela faz dos símbolos da Nação. A CBF não tem dinheiro público, não tem subvenção, só que usa o verde-amarelo da nossa Bandeira, canta o Hino Nacional... Quem a elegeu para fazer isso por nós e quanto ela paga ao governo para usar esses símbolos? Então, eu preferiria que ela não fosse privada. Nós brasileiros damos muito mais à CBF do que a CBF dá para nós. O futebol brasileiro não amedronta mais adversário nenhum. Jogamos de igual para igual com a Costa Rica. E eu tenho certeza que a decadência está diretamente relacionada a essa administração da CBF.

A Fifa alega que pode ter prejuízo de R$ 1,8 bilhão se não houver as adequações que ela espera na Lei Geral da Copa.

Prejuízo?! Como é que ela pode ter prejuízo num negócio em que não está gastando nada? Não estou entendendo essa conta. A Fifa deve estar procurando uma desculpa, pensando se vale a pena fazer a Copa no Brasil ou não. Mas ela não vai levar o evento para outro país. A relação entre Fifa e CBF é muito forte. A Fifa só tira a Copa do Brasil se o Ricardo Teixeira (presidente da CBF) quiser, não tem nada a ver com o governo brasileiro.

Qual a sua avaliação sobre as denúncias de corrupção contra o ministro do Esporte, Orlando Silva, e o impacto delas na organização da Copa?

Me parece que desde o início da gestão a presidente Dilma Rousseff tinha a ideia de contar com alguém de fora do ministério para tocar a Copa. É um evento específico, não precisava misturar com o dia a dia do ministério. Mas isso não vingou. O fato de a presidente assumir o controle da Copa mostrou a importância que o governo brasileiro está dando ao evento, o que é muito bom. Dá mais moral para o cronograma, para a execução das obras. Agora os envolvidos terão de despachar diretamente com a presidente da República, e ela já tem essa imagem de gestora determinada, incisiva. Talvez seja uma boa oportunidade de colocar alguém no ministério com perfil estritamente técnico, para que a pasta deixe de ser só essa simples repassadora de verba para ONGs.

ELENA LANDAU é economista, advogada, ex-diretora do BNDES, ex-consultora em Gestão Esportiva e botafoguense

Friday, October 14, 2011

 

Tenses

Simple Forms
Present Tense
Present tense expresses an unchanging, repeated, or reoccurring action or situation that exists only now. It can also represent a widespread truth.


Example
Meaning

The mountains are tall and white. Unchanging action
Every year, the school council elects new members. Recurring action
Pb is the chemical symbol for lead. Widespread truth

Past Tense
Past tense expresses an action or situation that was started and finished in the past. Most past tense verbs end in -ed. The irregular verbs have special past tense forms which must be memorized.


Example
Form

W.W.II ended in 1945. Regular -ed past
Ernest Hemmingway wrote "The Old Man and the Sea." Irregular form

Future Tense
Future tense expresses an action or situation that will occur in the future. This tense is formed by using will/shall with the simple form of the verb.


The speaker of the House will finish her term in May of 1998.
The future tense can also be expressed by using am, is, or are with going to.


The surgeon is going to perform the first bypass in Minnesota.
We can also use the present tense form with an adverb or adverbial phrase to show future time.


The president speaks tomorrow. (Tomorrow is a future time adverb.)


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Progressive Forms
Present Progressive Tense
Present progressive tense describes an ongoing action that is happening at the same time the statement is written. This tense is formed by using am/is/are with the verb form ending in -ing.


The sociologist is examining the effects that racial discrimination has on society.
Past Progressive Tense
Past progressive tense describes a past action which was happening when another action occurred. This tense is formed by using was/were with the verb form ending in -ing.


The explorer was explaining the lastest discovery in Egypt when protests began on the streets.
Future Progressive Tense
Future progressive tense describes an ongoing or continuous action that will take place in the future. This tense is formed by using will be or shall be with the verb form ending in -ing.


Dr. Jones will be presenting ongoing research on sexist language next week.


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Perfect Forms
Present Perfect Tense
Present perfect tense describes an action that happened at an indefinite time in the past or that began in the past and continues in the present.This tense is formed by using has/have with the past participle of the verb. Most past participles end in -ed. Irregular verbs have special past participles that must be memorized.


Example
Meaning

The researchers have traveled to many countries in order to collect more significant data. At an indefinite time
Women have voted in presidential elections since 1921. Continues in the present

Past Perfect Tense
Past perfect tense describes an action that took place in the past before another past action. This tense is formed by using had with the past participle of the verb.


By the time the troops arrived, the war had ended.
Future Perfect Tense
Future perfect tense describes an action that will occur in the future before some other action. This tense is formed by using will have with the past participle of the verb.


By the time the troops arrive, the combat group will have spent several weeks waiting.


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Perfect Progressive Forms
Present Perfect Progressive
Present perfect progressive tense describes an action that began in the past, continues in the present, and may continue into the future. This tense is formed by using has/have been and the present participle of the verb (the verb form ending in -ing).


The CEO has been considering a transfer to the state of Texas where profits would be larger.
Past Perfect Progressive
Past perfect progressive tense describes a past, ongoing action that was completed before some other past action. This tense is formed by using had been and the present perfect of the verb (the verb form ending in -ing).


Before the budget cuts, the students had been participating in many extracurricular activities.
Future Perfect Progressive
Future perfect progressive tense describes a future, ongoing action that will occur before some specified future time. This tense is formed by using will have been and the present participle of the verb (the verb form ending in -ing).


By the year 2020, linguists will have been studying and defining the Indo-European language family for more than 200 years.



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Monday, October 03, 2011

 

Robert Levine

'Chegou o momento do contra-ataque da indústria da cultura'
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NELSON DE SÁ
ARTICULISTA DA FOLHA

Robert Levine foi editor da revista "Billboard", que cobre música, e antes trabalhou na "Wired", que cobre tecnologia. Acreditava que a indústria fonográfica e os produtores de conteúdo em geral deveriam abrir seus produtos, gratuitamente, na internet. Até notar, aos poucos, que as empresas de tecnologia cresciam lucrando com os mesmos produtos, mas resistiam a pagar por eles.
Passou a "seguir o dinheiro" e levantou que as instituições que defendem abrir tudo na internet são financiadas pelas mesmas empresas de tecnologia. Que o Creative Commons recebeu US$ 1,5 milhões do Google em 2008 e mais US$ 500 mil em 2009.
O resultado é o livro "Free Ride", carona grátis, que faz ao longo de 320 páginas um relato detalhado de "como a internet está destruindo a indústria da cultura" e sugere "como contra-atacar". O livro foi lançado no Reino Unido há dois meses, com elogios do "Financial Times" e restrições do "Independent", e sai nos EUA no próximo dia 25.
Questionado, Levine diz que evitou tratar de revistas por ser sua área de atuação, tendo passado pelas redações de "New York", "Wired" e "Billboard", além de contribuir com outras.
Relata que algumas pessoas o criticaram, após lançar o livro, como "amigo da indústria fonográfica", mas nega e afirma que "as gravadoras não diriam isso", pois escreveu negativamente sobre elas, em reportagens e artigos: "Ninguém na indústria fonográfica diria que fui bonzinho."
Garante que não recebe dinheiro para dar palestras para empresas, "como fazem muitos jornalistas hoje". E afirma: "Veja, meu conflito mais óbvio é que eu ganho a vida escrevendo. É o conflito real: eu ganho a vida com copyright. Eu tenho um contrato de livro."
No caso, com Bodley Head, no Reino Unido, e Doubleday, nos EUA, selos da Random House, a maior editora de livros do mundo, parte do grupo alemão Bertelsmann.
Abaixo, trechos da entrevista realizada por telefone:
*
Folha - Você escreve que o conflito em torno da internet não é entre ativistas e empresas de mídia, mas econômico, entre empresas de tecnologia e empresas de mídia, de conteúdo.
Robert Levine - Era o ponto principal que eu queria abordar. As pessoas veem essas questões em termos de bem e mal. Quando você tem empresas, elas tendem a agir segundo seus interesses econômicos, a fazer o que dá dinheiro. Na internet, você está falando de grandes provedores, Verizon, At&T, e de Google, Facebook. Mas os ativistas ainda falam, por exemplo, em blogs: "Somos nós contra as grandes empresas de mídia". Mas a indústria fonográfica já não é tão grande, se comparada ao Google, e é pequenina, se comparada às teles. As pessoas dizem: "A indústria fonográfica manda em Washington". E ela não é nada comparada ao Google, às empresas de tecnologia.
Folha - Qual foi seu ponto de partida?
Levine - Eu trabalhei na "Wired", tempos atrás, e acreditava que as gravadoras eram antiquadas, atrapalhavam o progresso. Com o tempo, pensei: "Espera aí, muitas dessas empresas de internet não querem pagar por conteúdo". O Napster ainda tinha um plano para pagar por conteúdo. Não era bom, mas era um plano. Glogster, não. Limewire, não. A ideia sempre foi fazer um livro crítico, mas nem tanto quando acabou sendo. Descobri que havia todo esse dinheiro que os ativistas recebiam. Temos uma frase no jornalismo americano, "siga o dinheiro", não tenho certeza da origem, mas apareceu em Watergate.
Folha - A origem foi o roteirista do filme [William Goldman].
Levine - Exato, "Todos os Homens do Presidente". Ok, você conhece a sua cultura pop. (risos) Para mim, é o que você faz, como jornalista: você segue o dinheiro. E eu examinei o Creative Commons e [seu fundador] Lawrence Lessig, o Center for Internet and Society, da Universidade Stanford, a New America Foundation. Muita gente me disse, "eles são legais, boas pessoas". Provavelmente são, não penso que ninguém seja o mal. O mal é matar alguém, não infringir copyright. Mas eles são enviesados.
Folha - Parte do financiamento dessas instituições vem das empresas de tecnologia.
Levine - Muito do financiamento vem. E o que é interessante é que as pessoas não sabem. Se você ler os jornais, não há qualquer menção. Como é que esses ativistas recebem todo esse dinheiro do Google e ninguém diz nada? Trabalhei seis meses no levantamento da proposta para o livro. Mais e mais eu me surpreendia. Comecei a pensar: "É um conflito de negócios: Quem vai controlar a distribuição de música é a Warner ou o Google?". Não penso que as gravadoras sejam o bem ou que o Google seja o mal, porque sou um jornalista de negócios. Mas creio que alguns desses ativistas... Dias atrás, almocei com um, aqui em Berlim, e ele não sabia de onde vinha o dinheiro do Creative Commons. Não é estranho?
Folha - Aqui no Brasil, talvez Gilberto Gil também não saiba.
Levine - É curioso que você cite o Brasil, porque havia dois países que eu queria visitar, para o livro, mas não pude, porque não tinha o dinheiro: Brasil e Nigéria. Sou um "nerd" de música, comecei como jornalista musical. Brasil e Nigéria tiveram grandes cenas musicais nos anos 60 e 70. Tropicália, Gil, Caetano Veloso, Os Mutantes. Na Nigéria, Fela Kuti, Tony Allen, o Afrobeat. A maioria foi bancada por grandes gravadoras. Gil estava na Philips.
Folha - Uma grande gravadora na época.
Levine - Que depois virou parte da Polygram, que agora é parte da Universal. Mas hoje as pessoas falam: "No Brasil existe essa grande cena tecnobrega, que não precisa de gravadoras". Sim, mas ela não gera qualquer recurso de exportação para o Brasil. Todos aqueles discos de Gil geraram recursos para a economia. Por isso eu queria ir, porque vocês têm essa imagem de que o mundo em desenvolvimento deve ser contrário ao copyright. E eu não acredito que ela seja correta.
Folha - Gil e outros artistas, como Radiohead, tentam incorporar a distribuição grátis via internet. Como você essas tentativas de construir pontes?
Levine - O que o Radiohead fez foi realmente esperto. Eles conseguiram mais dinheiro ainda com aquele álbum, o que deram de graça. Deixaram você pagar o que queria, conseguiram muito dinheiro e promoveram sua turnê. Foi realmente inteligente. Por outro lado, o Radiohead pôde fazer porque já era famoso. E já era famoso porque, por um lado, na minha opinião, é uma das bandas mais talentosas que há, mas também porque teve muita promoção da EMI.
Folha - Para começar.
Levine - No começo. Você tem muitos artistas talentosos que ninguém conhece. A EMI gastou muito dinheiro falando ao mundo sobre o Radiohead. Imagino que a Philips tenha gasto muito dinheiro para falar ao mundo sobre Gil. Tenho vários daqueles discos, mas não conheço tanto a história. Mas ele estava na TV brasileira. Então, quando se torna conhecido, você não precisa de uma gravadora, mas quem será o Gilberto Gil de amanhã?
Folha - O livro aborda também imprensa e TV. Diz que tiveram duas formas de tratar a internet, no início; a primeira seguindo a opinião geral e abrindo quase tudo na internet, caso do "New York Times", e a segunda mantendo o conteúdo fechado, caso do "Financial Times", o que fez toda a diferença. E daqui para a frente?
Levine - A indústria de jornais nos EUA e no Reino Unido sempre foi ligada à publicidade. Dez anos atrás, a divisão tradicional era de 85% de recursos oriundos da publicidade e 15% da venda de exemplares. Se você examinar os EUA, a proporção do PIB que vai para publicidade não mudou muito desde 1995. O PIB sobe e desce, mas o percentual se mantém. Você tinha, digamos, essa torta que sustentava jornais, TV, revistas. Agora você corta essa torta pela metade. Google e Facebook ficam com uma metade. Todos os jornais e todas as TVs estão disputando a outra. Eles têm de vender o conteúdo, não têm alternativa. Não sei se vender o conteúdo vai funcionar, mas sei que distribuí-lo de graça na internet não vai. Não para um jornal ambicioso, que gasta muito dinheiro com seu conteúdo. "New York Times", "Wall Street Journal", "Zeit", "Le Monde", alguns poucos em cada país. Não são todos que querem cobrir guerras, esse tipo de jornalismo, mas, se quer ser um grande jornal, tem que cobrar.
Folha - Vale também para os emergentes?
Levine - Pode ser diferente no Brasil ou na Índia, porque suas economias estão se expandindo. Não sei muito do Brasil, mas quando uma economia cresce mais rápido, você tem mais pessoas na classe média e mais gastos, internamente. E, quando você tem mais gastos internamente, aí a publicidade realmente decola. Mas é muito difícil fazer previsões sobre o Brasil, porque é um país tão grande, com tantas diferenças, São Paulo e Manaus são quase mundos diferentes. Mas, num país desenvolvido, você tem que vender as notícias. E acredito que as pessoas vão comprar. Eu pago US$ 23 por mês pelo "New York Times". Se mudarem amanhã para US$ 33, continuaria pagando. As pessoas são muito sensíveis à conveniência ao pagar, elas querem que seja fácil, mas não creio que se importem tanto com o custo. A maioria dos americanos paga US$ 60 por mês pela TV a cabo. E a maior parte da programação é muito ruim.
Folha - Centenas de canais, nada para ver.
Levine - US$ 60 pelo cabo ou US$ 30 pelo "NYT"? Para mim, US$ 30 pelo "NYT". Nos EUA, o iTunes aumentou o preço das músicas de US$ 1 para US$ 1,29. E vendeu 13% menos músicas, mas obteve 20% mais de dinheiro. Se você está no negócio para ter, é realmente inteligente.
Folha - Por que você escreveu sobre direitos de músicas, jornais, filmes, e não sobre patentes de forma geral?
Levine - Uma das razões é que patente é uma questão de vida ou morte. Se você precisa muito de um remédio e não pode pagar, você pode furtá-lo. E eu não posso dizer que seja uma coisa ruim você estar furtando remédio. Mas se você furtar um álbum do Led Zeppelin...
Folha - Não é a salvação da vida de ninguém, necessariamente.
Levine - Espera aí, para mim é. (risos) Mas eu cresci em Connecticut, não havia nada para fazer. Mas são coisas diferentes. Você pode dizer que o governo da Índia ou do Brasil ou da Nigéria tem uma motivação política legítima. Você tem o direito de expropriar propriedade intelectual americana se vai salvar vidas? A resposta é talvez. Mas você têm o direito de expropriar "Gossip Girl"? "Desperate Housewives"? Aí é algo difícil de defender. Se você examinar o que acontece na Organização Mundial de Propriedade Intelectual, na ONU, muitas pessoas do Creative Commons e do Google confundem as duas questões, copyright e patentes. Para mim, são muito diferentes, porque o que está em jogo é muito diferente. Não penso que furtar uma música do Led Zeppelin seja uma coisa horrível, embora me pareça, de fato, desnecessário.
*
Folha - No fim do livro, você fala dos diferentes caminhos possíveis daqui para a frente. Um deles seria o esforço crescente, na Europa continental, para combater a pirataria na cultura. É uma saída?
Levine - Sim. As divergências legais que estão sendo debatidas hoje são muito pequenas. Ninguém diz que baixar algo pelo qual você não pagou seja correto. Ninguém diz que postar um filme na internet é correto. Tudo o que estão discutindo é quem deve responder legalmente pelo ato. O YouTube diz: "Vocês não podem nos processar, têm de processar os indivíduos". Mesmo se for difícil garantir o respeito às leis, é importante delimitar, com leis que digam "ei, isso é errado". Só deixar o sinal já é importante.
Folha - O Google tem um lema, hoje pouco lembrado, "don't be evil", não seja mau. Mas agora, com o Google tão grande, com o Facebook tão grande, a imagem do bem está mudando?
Levine - Ah, sim.
Folha - No livro, você cita que [o editor] Chris Anderson proclamou, na "Wired", que "a web está morta", porque está se fechando, com dispositivos como Xbox Live e App Store. Os malvados se tornaram as grandes empresas de tecnologia? Elas são o novo alvo?
Levine - Sim, mas me permita dar algum contexto. Sempre houve dois lados na indústria do entretenimento: o produto e a plataforma. Hoje, o Google controla a plataforma. Também os provedores de serviços de internet, as teles, são uma plataforma. Apple e Amazon têm plataformas fechadas. E parte do problema é: quem tem o poder, o produto ou a plataforma? Na indústria tradicional de mídia, o produto tem muito poder. Se estou tentando fazer você comprar TV paga, você vai querer o canal com os melhores programas. Se tenho um cinema, preciso de bons filmes. Com a internet, você não precisa pagar nada, está tudo lá. Então a questão é como fazer a plataforma pagar pelo produto. Quando Chris diz que "a web está morta", uma das coisas de que está falando, penso eu, é que muitos dos criadores de conteúdo não gostam da internet, porque é uma forma muito ruim de vender coisas. A internet foi criada por cientistas que queriam compartilhar informação acadêmica. Para isso, ela é extraordinária. Mas não estamos mais usando a internet para compartilhar pesquisa acadêmica. Estamos usando para serviços bancários, para tudo.
Folha - Para mídia.
Levine - Mas a internet só é boa para compartilhar informação. Se você quer vender informação, ela não é, na verdade, um sistema bem estruturado. Daí a pergunta: Que passos podemos tomar para mudar o sistema? A Apple tem um sistema muito bom para vender coisas. O Xbox tem um sistema muito bom para vender coisas. Você pode achar os videogames idiotas, mas tecnicamente é um sistema muito bom. Mas o Google diz: "Espera aí, você não pode fazer mudanças, é imoral". Eu não penso que seja imoral. É ruim para os negócios do Google, porque, quanto mais informação vai para a internet, mais o Google lucra. É ótimo para eles. Mas, se você quer lucrar também, alguém tem que comprar sua informação. Temos que estruturar um sistema ou regular um sistema para mais gente.
Folha - Regular como?
Levine - Me desculpe se soa pretensioso, mas eu acho que a pergunta é: "Quem está no comando?". Os políticos regulam a plataforma ou as plataformas regulam os políticos? Eu não votei no Google. Eu vou e volto quanto ao governo americano, mas no ano que vem posso votar novamente. Provavelmente votarei em Obama outra vez, mas eu posso votar e você pode votar em não sei quantos anos. Você não pode votar no Google ou na Apple.
Folha - Eles estão lá e ponto.
Levine - Eles simplesmente estão lá. Uma das coisas de que eu gosto sobre a Europa é que, quando os EUA não regularam a Microsoft, a Europa o fez. Quando os EUA não regularam a Intel, a Europa o fez. Não acredito que os EUA vão regular o Gooogle. Porque eles são muito próximos de Obama.
*Folha - Google e outras empresas de tecnologia têm feito encontros e jantares com Washington ultimamente.
Levine - O Google doa muito dinheiro para Obama. Eric Schmidt [executivo do Google] foi um sério candidato a secretário do Comércio. Como você pode ter um secretário do Comércio que pensa que tudo deve ser grátis? É um pouco estranho.
Folha - Além de Chris Anderson, Tim Berners-Lee, o inventor da web, escreveu que a internet está em perigo por causa de "ilhas" como o iTunes.
Levine - Mas aí eu tenho de perguntar se está em perigo ou se está evoluindo. Não quero voltar a comprar fitas cassete e discos de vinil. As coisas avançam e mudam. Podemos comprar música no iTunes, no Spotify, mas compramos on-line. Isso não vai voltar atrás. A indústria fonográfica tem de se adaptar, as editoras de livros têm de se adaptar. E adivinhe? Também Tim Berners-Lee tem de se adaptar. Por que todas as pessoas que defendem o progresso tecnológico querem que a internet se mantenha exatamente como era em 1995? Tim Berners-Lee e Lawrence Lessig e todos esses caras querem que a internet continue exatamente igual. A internet vai crescer, amadurecer.
Folha - Mas Berners-Lee criou a web, ele não deveria ser ouvido?
Levine - Ele é um cientista, muito inteligente. Mas eu não quero um cientista decidindo como a sociedade deve funcionar. Para isso, ele não é qualificado. E deveria calar a boca. Aliás, eu não sou qualificado também. Isso precisa ser uma conversa política. Os chamados valores "geek" [dos aficcionados de tecnologia] na verdade não têm muito apoio entre as pessoas. Poucos parecem concordar com Tim Berners-Lee. Então, quem se importa com o que ele diz? É um gênio, mas só porque é um gênio da ciência da computação... Ter professores muito inteligentes decidindo como a sociedade funciona nos deu algumas das piores economia do século 20. Se você vai e pede, "estruture uma sociedade", você termina com a União Soviética.

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