Wednesday, July 26, 2006

 

Curitibeato

CU-RI-TI-BA LEI-TE QUEN-TE

A fala das pessoas é escandida assim e as meninas têm uma deselegância nem tão discreta, o povo é um outro povo, fisicamente europeu e mentalmente caipira ao mesmo tempo, há lojas que vendem selas e cuias de chimarrão em pleno centro, curioso que a erva-mate é daqui e só depois foi exportada para o Rio Grande, Uruguai e Argentina, o mundo gaúcho Far South — que é o nosso Faroeste, sem petróleo mas com caubóis dos pampas, presidentes da República e civilização — que Curitiba já anuncia, bons shoppings, o bairro Batel que é uma espécie de mini-Ipanema, a impressão geral que tive foi de uma Belo Horizonte melhorada, um boa cidade média brasileira, com vida equilibrada, sem aquele glamour cosmopolita do Rio sempre voltado para o exterior nem a febre do capital financeiro paulistano ou o barroco da negra Salvador e seu imenso Elevador Lacerda, sobrenome que sempre aspira a grandes coisas, ponte entre dois mundos, marcada pelo passado com suas igrejas e monumentos, o Pelourinho, toda uma grandiosidade a que um dia se aspirou e que aqui e ali ainda se encontra. Curitiba se contenta em ser uma cidade média, sem grandes sonhos, sem delírios de grandeza, apenas uma cidade para se viver a vida, a vidinha comum de classe média, mediocridade feliz simplesmente. Chega a ser risível a reclamação dos taxistas sobre o aumento do número de assaltos, um povo educado demais, perguntam se estamos servidos quando acabamos de comer e dizem disponha em lugar do nosso de nada ou do abominável paulistano imagina. Curiosa essa combinação de provincianismo e internacionalidade, a composição étnica é muito diferente, Salvador tem mais negros que o Rio mas isso não nos chama tanto a atenção, ao contrário, é a profusão de louras ucranianas que espanta, mesmo o motorista de táxi descende de cossacos de Kiev e nos mostra uma foto dele, amigos, a mulher alemã e os filhos nadando numa cachoeira próxima em verdejante paisagem, surpresa ao ver arianos em ocupações proletárias? Pode ser, mas o fato é que um Brasil muito diferente, quase um não Brasil nos limites de nosso território. Não sei de onde vem a riqueza relativa, além do pólo automobilístico de São José dos Pinhais. Mesmo climaticamente são outro país, uma noite fez quinze graus em pleno fevereiro, no Rio isso é a mínima da mínima se excluirmos o Alto da Boa Vista, algo me atrai para fora daqui desse país com todas as suas nuances senão já tinha feito um concurso pra viver pacificamente lá, eles conservam um pouco de civilização a que o Rio insiste em renunciar, já na ida para o Galeão meu táxi foi o último a passar antes de fecharem a Linha Vermelha por causa da enésima confrontação com a favela, os policiais já começavam a se abaixar pra não tomar bala, até quando resistiremos, mas sei que a crise é nacional, talvez global, não sei se adiantaria, mas começo a ficar de saco muito, muito cheio, e querendo uma vida tranqüila de classe média curitibana, me dedicarei à literatura e meditação prá compensar o tédio, não tem muito o que gastar então derrepa dá pra viajar a Europa todo ano nas férias regulares de funcionário público bem remunerado, ou então até dar uma passada na praia do Posto 9 hospedado na casa dos sogros no verão, ou ir ver a Mangueira entrar na quadra com um americano mulato inzoneiro, um Carneiro faceiro, que Rio é bom mesmo pra turista quando se tem a sorte de não tomar uma bala, e ainda tem muito mais atividade econômica que o resto do país apesar de estar cada vez mais anos-luz de distância de São Paulo, São Paulo, capital, nossa Big Apple tupiniquim, but I don’t wanna make a brand new start of it, um dia ainda vão se ferrar com essa cultura financeira tão entranhada neles que converte tudo e todos à religião das securities como um Midas bursátil, tempo nunca pode ser perdido em diversão e arte porque é dinheiro, tudo tem de remunerar o valor que o acionista empresta mas nenhuma pessoa física sabe ao certo o que fazer com o lucro apurado e distribuído que seja digno de um ser humano, fumar e tossir fumaça de gasolina olha que eu fumo e tusso, terno de vidro costurado a parafuso Papagaio do futuro num pára-raio ao luar, até quando paranaenses, catarinenses e gaúchos vão querer ser parte deste país do futuro do presente do indicativo (ou seria do subjuntivo, o tempo / modo da dúvida ?) e adiar o dia de se separarem de vez, guerra civil, todos contra São Paulo, República dos Farrapos rides again, sempre a tentação de uma solução individual que o Faoro dizia ao Mauricio Dias ser impraticável, ou é pelo coletivo ou não é, meu médico, dentista, ex-colegas jornalistas e atuais colegas advogados todos reclamam que o Rio secou, eu também não sei se qualquer dia não apenas apanharei à beira-mar um táxi pra estação lunar agora que Marte é a próxima parada e as briga pelas paradas aqui já virou guerra incivil.

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