Friday, February 20, 2009

 

Mais Zep Ambiental



MEIO AMBIENTE? EU QUERO AMBIENTE INTEIRO...

Fernando Carneiro

Nem em Davos, nem em Belém do Pará, terra onde nasceu Jesus, eles estavam há pouco.... Quando Al Gore fez o seu documentário premiado falando sobre o apo-calipso ambiental, dias depois começaram a pulular no YouTube, qual manjubinhas em ricachuelo com falta de oxigênio, séries de vídeo-vinhetas de gente desprovando cada tese de aquecimento global, desmatamento, calor afanando a calota polar, carros arrotando gases etc… Tudo balela e catastrofismo, dizem. Mas muito persuasivo o argumento dos “contras”. E agora até a flatulência bovina é atacada. Conseguem medir o efeito da manada e do rebanho no planeta. Não me perguntem como. Não como carne, mas não fico tirando onda tampouco. Falo desse assunto mas não sou ambientalista, e tem cara fera que cospe números e fogo das ventas. Eu sou só o tocador de realejo.

Ecologia e meio ambiente. Me lembro que o problema principal – em certo momento - era a preocupação com o lixo nuclear. Agora é muito mais simples: é a interação entre a crescente matéria fecal, produção industrial, gases decorrentes, aquecimento decorrente, somado ao desmatamento do planeta que amenizaria tais problemas. (O cachimbo do meu irmão deve ter um impacto enorme...)

Muito simples. Mas agora é muito mais complexo também. Espécies em extinção, mutações microbióticas, e desconhecimento do novo bioma e suas consequências para todos. E continuamos a “discutir essa relação”, entre o planeta e o meio ambiente, mas não apareceu um terapeuta de casal com voto de minerva. Todas as pesquisas apontam que a maior ameaça ao planeta e aos seres humanos não são (especificamente) os moradores da Barra, nem os do Complexo do Alemão. São problemas ambientais. E o maior problema ambiental – pela lógica bem aparente - é o aumento desenfreado da população humana. Posso estar errado, estou no chutômetro, mas acho que a mira está certa. Nós somos os produtores de dejetos e gases - industriais ou não. Daí vem maior demanda industrial, desmatamento e aumento de emissão. Então todo mundo tem culpa no cartório, rico, pobre, seja quem for. E moradores de todos os bairros, glebas, vilarejos e países, portanto.

Pronto, falei. Eram 3 bilhões de macacos falantes, glabros e eretos até 1950. Agora dobrou para 6 bilhões e pouco. Em 50 anos dobramos o que levou mais tempo do que espera na fila do SUS. Serão 7.5 bilhões até 2050, sengundo a ONU.

(Menos gente também reduz a demanda agregada, o que é bom pra inflação, deixando Lula e Henrique Meirelles felizes, talvez.)

Mas a turma do contra fala que a preocupação é uma tolice, malthusianismo não relacionado ao malte ou a uma Guinness bem tirada. Bom o moquifo tá cheio e não cabe mais ninguém não. O maior problema ambiental? Realmente é que tudo é uma grande eme – literalmente. Tudo ou entra em transformação, ou decomposição, e emite gás.(Até discursos pró-ambientalismo, como veremos apud Anthony Burgess no final. Mais inflamado o discurso, maior a emissão)

Mais gente, mais coisa, mais consumo, mais gás. Menos gente, menos coisa, menos consumo, menos gás. Menos gente, menos consumo, menos demanda, mais desemprego, mais fome, mais miséria. Temos que pedir pra sair junto com o Zero Dois. Perdemos, playboys ou não. Vamos viver o que resta.

Quando a gente ver agora nos blocos de carnaval de Dengue City o Minc, com a Skol na mão, pulando desengonçado, com suas meias cruzando a fronteira do alto tornozelo e chegando quase ao joelho, ficaremos ainda incrédulos com o fato de que (ainda) está em Brasília. Agora quem quer desenvolvimento e crescimento econômico na porrada, moto-serra e tacape são vários companheiros que estão sentados a seu lado, despachando (com) o Lula. Vamos consumir povão. Manter empregos. Gastar. Derrubaêêê. Planta cana. Toma cana. Não fecha conosco, bota em cana. Defenestra a companheira Marina Silva. Mais uma soja? Claro que eu tou a fim....

Isso porque até exatos 1980, os ambientalistas – “das” então não existentes ONGs dos países industrializados - se preocupavam quase que exclusivamente em acabar com a energia nuclear, pesca de cetáceos (e outros temas vistos agora como periféricos). Já eram vistos como radicais! Na época, a palavra de ordem (parecida com a do governo hoje em dia) seria mais congruente saindo da boca de um Maluf. A agenda do Greenpeace já começava a ficar mais difusa e outros companheiros se engajaram no confronto armado. O nascimento e crescimento do Partido Verde alemão deixou todos perplexos. A questão ecológica atropelou o resto do noticiário. Viva o Panda da World Wildlife Federation. O mundo mudou, a muda verde vingou.

Temos até aqui o nosso valioso Partido Verde. Já se institucionalizou de certa forma, mas qualquer discussão que foge inteiramente da esfera da auto-regulamentação, e cai na arena ou no emedebê político, fica complexa. A pauta fica fragmentada, quando tratamos do tema mais importante de todos. Deveria ser supra-pratidário e apolítico. Mas palmas para os bravos guerreiros lutando a boa luta, seja em que partido for. E a luta é tanto do governo como do setor privado, não pode ficar restrita a sesmarias institucionais. Tem que ser espalhada como sementes no solo arado.

E hoje em dia? Mais precisamente aqui no balneário? Como vamos no quesito salubridade?

Na Zona Sul, neste momento, tem muita gente de alto poder aquisitivo com cisto de ameba, giárdia e lombriga. No balneário, chove, a água desce as encostas e penetra nos poros até durante a chuveirada. Bando de imundos, somos. E o aquecimento global se existe ou não, ou se teremos um esfriamento, é muito culpa do tchaca-tchaca indiscriminado. Repito. Esse é o maior problema ambiental. Limpa-se Guana-bay de metais pesados, mas o crescimento da matéria orgânica não cessa. Aliás fossa antisséptica em inglês é “cesspool”. Piscina de encerramento das atividades.

Bem, mas saindo da polis e voltando ao mundo, pois parecemos estar fora dele....

Por que toda essa preocupação giárdica e metânica? Tudo balela, dizem, com prova científica, acrescentam. Tudo gente simpática a George Bush, publicando suas esquisitices na editora Regnery. Basta olhar o catálogo da dita cuja para que os pelos faciais sob as narinas cresçam perfilados em mini-retângulo. Importante mencionar a editora, pois lá foi publicado o maior manifesto inicial do “deixa rolar” na natureza. Do laissez-faire do campo majoritário. Pode jogar papel na rua e não precisa limpar (a eme do) seu cão. Foi o embasamento “teórico” para Bush não assinar o Tratado de Kyoto, anos mais tarde. E das vinhetas anti-ambientalistas do YouTube. Eles são alinhados aos setores mais conservadores que não gostam de nenhum tipo de planejamento familiar, e dizem que não há aquecimento global, as provas não são conclusivas. Curioso. Causa ou consequência?

Mas podemos apontar o dedo para uma responsável de peso – com duplo, please – pela situação. Lá atrás, mas não muito, e talvez com trocadilho – no caso. Quase que tudo culpa do trabalho de Dixy Lee Ray, a gorduchinha da foto, que publicou pela editora já mencionada, o seminal “Trashing the Planet” (Sujando o Planeta) e depois “Environmental Overkill” . Ela é a madrinha, desde 1980, quando era governadora do estado de Washington (terra do Nirvana e do movimento grunge), da turma anti-Marina Silva e dissidências. Professora de zoologia, foi a primeira a vaticinar em canais científicos importantes que os movimentos ambientalistas, anti-energia nuclear, de então, eram um bando de ecoterroristas. Ela antes foi chefe do Comitê de Energia Atômica (!!!) em 1974.

Ironia das ironias. Hoje o mundo endoideceu tanto que a energia nuclear pode ser até uma boa saída, segundo algumas cabeças enriquecidas de Urano. Para sermos honestos intelectualmente, temos que admitir que conceitos sempre devem ser revistos. A questão nuclear pode até ser de valia atualmente. E tecnologia de ponta é fundamental também. O mix não é mutuamente exclusivo.

De volta a Dixy (sic). Depois, como governadora, perdeu a reeleição para um psiquiatra. Hmmmm. Mas essa mulher-pentelho, agora no Céu (com Deus, claro), continua incomodando e muito, pois para cada urro de proteção ambiental, reverbera um bumerangue de idéias opostas, onde regurgitam axiomas revestidos de cientificismo. E Deus castiga. O vulcão no “Monte” St. Helen, em Washington, entrou em erupção durante seu mandato, jogando na atmosfera 910 mil t de dióxido de carbono e 220 mil t de dióxido de enxofre. (Dados dela). Mas aí os justos pagam pelos ímpios.

Que a calota polar está derretendo, não há dúvidas. Mas o contra-argumento meio comme Goebbels (e nada sotto voce) é que o aquecimento global já chegou a Bangu desde “hace mucho”. Da vero. Mas não é por aí a coisa. Derrete porque está quente. Está quente pois há mais emissão. Mais emissão porque tem mais gente. E a água? O boi bebeu...

Vamos ao aquecimento pois.

1 - O argumento recorrente é que as erupções de Krakatoa na Indonésia em 1883, Monte Katmai, no Alasca em 1912 e Hekla na Islândia em 1947, “poluíram” a atmosfera com partículas e gases tóxicos em quantidades superiores às produzidas pela raça humana desde o início da Revolução Industrial.

2 – De 1900 a 1940 houve um aumento médio da temperatura global. De 1940 a 1965 – período de acelerada industrialização e altos níveis de emissão sem técnicas modernas de filtragem, tivemos um (r)esfriamento. Desde 1975 a temperatura vem subindo. Mas se eliminarmos do cálculo o efeito das cidades, que são ilhas de calor, não houve aquecimento global.

Pergunta. Como é que eles sabem disso? Principalmente o número um. (Já que a minha tese central é que tudo está virando um grande número dois nesse mundo?)

Isso são argumentos da turma que diz que não há chuva ácida em Pequim, pois o pH pluvial oscila entre seis e sete. Não deve ter poluição tampouco, pois faz pouco tempo todos andavam de bicicleta.

O problema da falácia, falta de lógica e manipulação de estatísticas é gritante. A última corrente filosófica que abalou os alicerces – no pós existencialismo e estruturalismo - é a volta do empiricismo radical. Que está nas páginas dos jornais e na mídia, onde estatísticas são compiladas e citadas sem a verificação necessária. Daí a lisura e charme do cético. Pois quem cai na esparrela deve estar dando dinheiro para (a) Renascer. Melhor é ser a-traído pela forte correlação entre fatores.

No caso ambiental, isso é gritante. O governo Bush se pautava – ironicamente - pelo ceticismo tosco. E Obama demonstra maior preocupação. Sim, a energia nuclear foi uma grande vitória do lado oposto, e é usada na medicina e salva vidas. Mas voltamos ao problema central. O problema é o lixo. Tanto nuclear como o orgânico. Lixo é dejeto. Esse é o grave problema. E quem fabrica mais dejeto são os humanos e seus pet shop boys and girls. Então o custo para o processamento do lixo e a menor necessidade de exploração da natureza, passam necessariamente pela estabilização da taxa de natalidade, e por maior uso de tecnologia de ponta.

Blairo Maggi e Minc nem precisam brigar. Ora, a mata (atlântica) é necessária para mitigar as emissões e tem até valor estético, artístico e cultural. Quem gosta de serra pelada, não sei não... Tem um quê de pedofilia ecológica.

Para o meio ambiente, a atual desaceleração e crise econômica caiu como maná dos céus. O desmatamento vai despencar pela falta de demanda. Portanto o crescimento econômico desenfreado e consumista é tão “demodê” (sic) como o Chevette 74 circulando pelas ruas de Paracambi. Sejamos corajosos. Se não se falar desse problema, e o empurrarmos para debaixo do tapete, vai dar eme. Das grandes. Que toquem a marcha das valquírias e Duvall enalteça o Agente Laranja matinal. Eu, de minha parte, repito: I hate the smell of shit in the morning…

Agora essa pensata é escrita. O grande Anthony Burgess definia a linguagem e a maneira oral de expressar ideias no seu brilhante livro “A Mouthful of Air”. Ou seja, uma boca cheia de ar, com espasmos verticais e laterais, contrações da glote e interação de músculos, como que no movimento de pistão de motor, consegue exprimir ideias. Mas então observamos que mesmo “falando” sobre o assunto, estamos aumentando a emissão seja lá do que for. Então não vamos mais falar sobre isso. Meditação e silêncio. Ajuda a consumir menos e diminui a emissão, seja de ideias questionáveis ou simplesmente de gás carbônico. Depois teremos outro problema ambiental que será maior que o atual. Meio ambiente não. Inteiro.

Wednesday, February 11, 2009

 

Beato Salu sobre Caramamblocos...

ARNALDO BLOCH, OS IRMÃOS KARAMABLOCH, COMPANHIA DAS LETRAS, 2008

Em mais uma prova de que o absurdo da realidade muitas vezes supera o da ficção, Arnaldo Bloch remexe os escondidos baús de lembranças familiares e nos conta a saga de uma família, a sua, desde Jitomir, Ucrânia, até o Brasil. O resultado é algo assim como a tropicalização da atmosfera dos contos de Isaac Bashevis Singer (embora em versão mais profana) para o Rio do inicio da década de (19)20. Estereótipos são aceitos e aparentemente reforçados para logo em seguida serem desconstruídos, numa narração que é quase um exorcismo de antigos dibuks que insistem em assombrar, como se o autor-personagem vertesse em livro o drama familiar de que é protagonista involuntário, tentando inutilmente lavar em letras o carma seu e de seu clã.

Psicanálise a que assistimos como a um Big Brother em que o autor é o único vencedor (?) a permanecer ao final no consultório de sua mente, a estória revela também a intersecção da família com a História. Sobreviventes de pogroms, os renitentes capitalistas, gráficos num longínquo shtetl, não resistiram, entretanto, à Revolução de Outubro de 1917. Como tantas outras famílias Askhenazy do Leste Europeu, os Bloch, depois de muitas tentativas, empreenderam, em sucessivas levas, o êxodo para a primeira Babilônia que os aceitasse. Uma longa espera até o desembarque triunfante do patriarca Joseph em pleno Rio dos dias de outra Revolução (Tenentista, não Bolchevique), com direito a incursões na Praça XI das polaquinhas ― onde, segundo lhe preveniu, em ídiche, um cidadão negro brasileiro, só tinha crioulo e judeu. Excessos da alma russa, a sagacidade mercantil e a satiríase hebréias, pecados imediatamente punidos por um D´s vétero-testamentário, incestos furtivos no noite de Copa, Bar Mitzvahs conspurcados em Istambul, tudo é hiperbólico, blasfemo e infinitamente voraz, como se só houvesse este, e nunca outro mundo. Essa paixão pela vida baixa, sem ascese possível, que é a da maioria de nós, se trasladou tempestuosa, mas definitivamente para um Rio boêmio e macunaínimico, onde tudo também é desmedido e malandro, ainda que de um jeito muito diferente daquele de todas as Rússias.


Corte da vida de uma família, o fim da narrativa está no começo, o trem da chegada é o mesmo da partida, como o expresso São Petersburgo-Moscou em Ana Karenina, como se tudo fosse um sonho sonhado na antiga casa de Jitomir, congelada no tempo, Terra Prometida de onde, entretanto, não escorre apenas leite e mel, mas esperma, sangue, suor e lágrimas, até que não sobre nenhum segredo, ou secreção, e no fundo só fique a Diáspora eterna, de si a si.

Tudo se passa como se a mítica casa de pedra da Rua 5 de Julho, Copacabana, onde os primeiros Bloch foram morar logo depois de chegarem no Brasil, se transmudasse em livro, inscritura automática, fluxo de (in)consciência. É um Bloch sendo um Bloch, repórter de si e dos seus que narra o próprio giro incessante no espaço e no tempo, ao lado de avós, tios, primos, amando-se e odiando-se, roubando uns aos outros ou caluniando-se mutuamente, demasiado humanos, sátiros, sagazes, materiais, mas sempre juntos e empreendendo. Primeiro em gráficas e daí à mídia impressa e eletrônica, fugindo de um país em que ser empresário subitamente se tornou abertamente proibido para outro em que sutilmente nunca deixou de sê-lo, com os juros de agiota e sempre em alta, tributos escorchantes, pacotes econômicos regularmente surpreendentes, parece ser o surrealismo supremo, sem sequer a suposta compensação socialista, para no final tudo acabar como começou, numa casa trancada por todo o tempo em que durou a saga familiar nos trópicos, onde afinal tudo também se perdeu, a não ser o prazer de contar uma história, e para continuar a contar outras, disseminá-las, distribuindo ao público o que nós, e nele, se imprimiu.

Wednesday, February 04, 2009

 

Zep Carnaval Cru


3 de fevereiro de 2009
Block’n’ roll cabar-ético
BLOG, Carnaval 2009, Festa

Por Fernando Carneiro
Eu confesso que esse negócio de carioca desengonçado virar batuqueiro já está ficando engraçado. Há milhares de “oficinas” espalhadas pela cidade e podemos afirmar sem forçar a barra que o “genesis” do momento atual é feito das idéias de Mestre Guilherme Gonçalves e Mestre Odilon, da Grande Rio, isso pra mais de dez anos. Nego do Monobloco teve aula com os caras, e tanto Guilherme como Odilon escreveram um livro, “O batuque carioca”, com notações musicais da “levada”, “bossas” e “convenções” de cada uma das escolas. Deram uma reativada nos blocos da Zona Sul. Influenciaram o trabalho do Rio Maracatu, até geograficamente. E foi a oficina das oficinas. E ainda é, pra quem quer apurar a técnica pra voos mais altos em baterias de escola de samba e essas coisas.
Mas falo da coqueluche atual, sem desmerecer o trabalho de (metafóricos) séculos de blocos da Sebastiana e congêneres. Estes já estabelecidos e no panteão.
Dessa fornalha dos anos 90, surgiu o já consagrado – dentro do que podemos categorizar de “bloco de bateria” - Bloco Rio Carioca, do próprio Guilherme e Odilon, e agora, pelo segundo ano, vai sair o grande filhote revelação (o Escangalha) que tem uma bateria de alunos afiadíssima, de primeiríssimo nível, dentro da categoria de blocos puristas. Ou seja, sambas e mais sambas clássicos. Que estão na boca do povo. O Escangalha tem como fundador Pedro Machado e, como integrante, Gabriel, seu irmão, que já compôs com Mestre Guilherme um samba enredo da Mangueira dedicado a Minas faz uns anos.
Bom, a juventude parece ter abraçado o samba, ou grande parte dela, e a coisa virou uma coqueluche. Vai na Lapa nem que seja a tapa. São necessários ensaios semanais diários, e já tem gente tocando muitíssimo bem. Então vieram os blocos não tão ortodoxos na leva.
Os que colocaram o funk na batida, outros ritmos, guitarras, fazendo uma (con)fusão, no bom sentido. Isso gerou controvérsias. Realmente alguns puristas torcem o nariz. Uma coisa é uma coisa e outra é outra. Por outro lado, tem gente que faz umas coisas interessantes, mas que não é samba puro. Eles podem ter a pegada e levada de samba, como o Monobloco, Bangalafumenga e Empolga as Nove, supercompetentes no que fazem. Mas mesclam influências. O que não tem nada demais. Pelo contrário, criam voz própria e identidade no processo.
Ora, é proibido proibir. Agora já tem Mulheres de Chico, ou em período fértil, sabe-se lá mais o quê. Gigantes da Lira, blocos temáticos com nomes curiosos, e outros que ainda não foram fundados como o Morde e Arranca, Urologia - Eu Quero Uma pra Viver, Espeto de Carne e outros mais.
E ainda assim, temos os ranchos, blocos tradicionais, os Bolas da vida, Boitatá, e os (de certa forma mencionados) Suvacos, Simpatias, Carmelitas, Imprensa, Barbas, Flor do Sereno (Rancho) e outros tantos. E os que já fazem parte do anedotário popular da cidade, como Cacique de Ramos e Pereirão – dentre os que saíam na Rio Branco. Enfim, não falta é baticum de todos os jeitos e mesclas. O livro de João Pimentel sobre o tema é de valia, aliás. Referência.
Mas há um ponto crítico.
Falta (para alguns) botar uma redoma no balneário e ligar o ar condicionado… O aquecimento global está tendo um impacto na nossa cultura, e isso é inadmissível.
(N.R.: momento de soltar o rabo preso, como vários deveriam fazer nesse país. Eu tive aulas com Mestre Guilherme, participei do Escangalha, e quando falava gugu-dadá ajudei a “fundar” o Rio Carioca. Fui embora e não participei de mais nada. Sou relapso e omisso. Não levo jeito. A organização deles lá é impecável. Mas voltei e passei a apreciar o samba que me era estranho. Nesse ano fiquei de fora pois não tive um segundo para participar de aulas, e, mais velho, tampouco aguento as temperaturas elevadas no balneário. Com ar condicionado, desfribilador e tanque de oxigênio, mais uma van da SAMU do lado, eu encaro tudo. Então eu, que fui péssimo aluno e - de nota zero a dez acho que não colaria grau de baticum pois sairía com um dois – trocadilho, please - pendurei meu agogô no gancho da rede.)
Pensei que já tinham inventado tudo de samba e carnaval no Rio. Quem vai para Recife ou Salvador vai lidar lá com o baticum autóctone e local. Aqui as variações fervilham Eu já meio que achando que esse carnaval não me traria muitas surpresas, peguei um dia o jornal, lendo o dito no ar condicionado obviamente, e vi o projeto do Cabaret Cru e Bloco Cru, no Pista 3, parte do complexo cultural da Casa da Matriz. Eu li e reli a nota na Megazine. Acho que não acreditei pois estava meio bom pra ser verdade. Ninguém me falou nada, mas eu, como cavaleiro errante, e solitário fui verificar. (continua aqui)
Dizia apenas que era um bloco que fazia seus ensaios-festas aos domingos COM AR CONDICIONADO num lugar escuro, com cara meio lounge metrequefe de Little Italy em Boston. No meu bairro. Não sou notívago e o tal de sete da noite já me fez mexer na cadeira. Nada de emissões de CO² pra ir pra Madureira. Ou para o Leblon. Com todo o respeito. O lugar tem personalidade, é gélido, e o bloco toca(ria) Amy Winehouse, Kiss, Radiohead, Roy Orbison (”Pretty woman”), Mutantes, Nirvana, Raul Seixas, sucessos de “disco” e coisa e tal. Eu sou desses caras que amam os Carpenters, Jovelina, Fish e o Clash.
Eu vi ali o Radiohead e separei na agenda – vazia de todo modo.
Além disso, tinha Zé Keti e grandes sucessos de baile de carnaval infantil. E isso mesclando batida funk, marchinha popular, maculelê, samba ou o que fosse. O ponto de ironia e grande descontração já está na pia batismal do dito cujo, quando jogaram água na fronte de Lu Baratz e Dudu Guedes, fundadores, e cantora e guitarrista, respectivamente. (Sim, habemus guitarra). Bloco Cru. Todo mundo é meio cru. Tem sempre uns melhores, mas prum aposentado inválido, e veterano de guerra como eu? Desce o agogô aí por favô de fulô. Não estou; sou cru.
Todo mundo é gente afinal e, como eu, meio (a)normal. O que é normal. Parece um bloco meio Haldol, as figuras ficam meio desligadas e o maestro para tudo. Os sashimis respondem. Mas é meio Ken Kesey também. Se tem estranho no ninho, tem “sometimes a great notion….” Ou seja, cai o raio, repete-se, e nego tira o pé do chão, que é o objetivo final. A vibração é boa, diz zifio cabôco eu médium, eu quase.
Ah. E outra idéia sensacional desse Bloco Cru é a saída ou desfile do mesmo. No pôr-do-sol do dia 22 de fevereiro ele vai sair. No Pista 3 mesmo, com ar condicionado, e não vai a lugar nenhum. Com ar condicionado. Entendi direito? Não, não é bem assim, mas não é assado (mais uma) tampouco, como diz Dudu:
- A idéia é sair pra rua no dia 22 (isso vai atrapalhar os seus planos com o ar condicionado), a gente alugou um minitrio e vamos até a Matriz e voltamos para o Pista 3. Aí sim tem ar condicionado de novo. Mas, seguinte, como é no pôr-do-sol, já vai estar mais fresquinho.
E com a palavra a charmosinha Lu Mó Baratz sem tirar nem pôr e sem trocadilho (essa criançada anda muito pré-cócegas):
- Alugamos o minitrio-elétrico, pelo motivo mais estético da coisa. O Cabaret Cru tem sempre esse perfil de encenação, por isso é uma banda-festa-espetáculo. Resolvemos ter um minitrio pra viver nosso dia de citação baiana e também de carroça mambembe do século XXI. Sempre com o filme “Capitão Tornado” em mente.Deu pra entender a confusão? Mas te juro que faz sentido. “Life is a cabaret, old chum, come to the Cabaret! Cruuuu!”. Nossa referência máxima é o cabaré, essa atmosfera lúdica embriagada, circense de bas fond.O Cabaret Cru resolveu fazer sua versão bloco da vida pra não deixar de pular na folia nem ficar de fora, porque gostamos é de diversão full time. Mas preservamos nossos princípios que embaralham e assumem o gringo, o aveludado, aqueles que também gostam de dias chuvosos, mas que não dispensam a brasilidade, a tropicália e a fusão. Assumindo sem medo de ser feliz e de ferir puristas. Buscando o rock que nos faz dançar sem parar e unindo ao frenesi rítmico do nosso carnaval. Uma orgia carnavalesca, enfim. Entrega aos ritmos irresistíveis que são parte desse afeto, dessa entidade Carnaval que supera qualquer pré-conceito excludente. Somos diversos.No fim juntamos duas coisas irresistíveis: o “Rock’n’ roll all night and party every day” com o maculelê, pancadão e lirismo dos tempos do onça (marchinhas). Aliás, o lirismo fica por conta desse minitrio-elétrico Capitão Tornado, commedia dell’arte (Ettore Scola). Nada de estrangeirismos apenas. Somos o que somos: performáticos, brasileiros, das artes visuais. Cheios de importados e com um monte de bagagem genuinamente brazucas e por aí vai. O Cabaret Cru nasceu de uma performance minha que criou uma figura-personagem-persona a Noiva Açougueira. O enredo é assim: ela foge do enlace matrimonial para assumir sua verdadeira vocação (não de esposa) e sim de cantar em cabarés ao redor do mundo. Da longínqua Bessarábia transilvânica ao luxo de Paris. Ancorando suas forças vocais no Cru, um cabaré febril no Brasil de onde não quer mais arredar o pé.A Noiva é um alter ego meu. E a mestre de cerimônias e criadora do balacobaco todo. O Dudu Guedes é o braço direito de tudo. E no fim peça chave de toda a engrenagem cabaresística.
Ah tá, já é… demorô…. Então é Joel Cinza e Lu Minelli. Mas tá cheio de rebolado vernacular a coisa, tá bonito. Que ninguém se meta a besta, é cabar-ética na cabeça e na calabaça. Coisa cabarística, chama a Madonna, meia-calça e spandex.
Voltando às trevas cabaro-sibaríticas. Tem sofá lá atrás pra quem tá cansado. E interlúdios lúdicos entre um esquindô e outro com DJ. Engraçado ver tanto jovem já gostando do bem bom e do conforto. Pensei que ia ficar tudo suado, grudento e banhento no meio da rua com bafo de marafo, fumando Continental, mas não… Tem essa alternativa. Com repertório que não ouvi falar ainda não. Pode fazer isso tudo do lado de dentro.
Radiohead.
E a melhor versão da meninada, que bota a casa pegando fogo, é o “Come as you are” do Nirvana. Já está virando um absurdo essa invasão bárbara do império ianque. Já é hora de chamar o Aldo Rabelais do pecedobê e seu saci pererê… Samba só em carioquês, desde o talabarte para segurar repinique, até o armilóki do Hélio Gracie, que Deus o tenha. A gente fica dividido com tanta influência.
Mas esses molecotes mal passados do Cru tem seu Cabaret, fazendo números meio burlescos com pitadas de Tom Waits e Dolores Duran.
Dudu se estende um pouco mais no assunto:
- Um dos espetáculos que fizemos (em dezembro) foi o Cabaret Cru Contos de Fadas. O Histórias que as Nossas Babás Não Contam… foi o nome da exposição que fizemos… durante o evento…
Quem vai no site www.cabaretcru.com vai se deparar com vídeos de alguns eventos. Ainda Dudu sobre porque o nome não é incongruente: “
- O centro de entretenimento artistico é uma expressão pomposa do primeiro release, foi o que encontramos na época para traduzir um pouco o espírito da festa-banda-banda-festa: botar um monte de coisa (centro) acontecendo (entretenimento) ao mesmo tempo (artístico)… Então sempre rolam vídeos, exposição, comidinhas no segundo andar, enquanto embaixo armamos o Cabaret com cortinas, cenário e adereços, descemos as mesas, colocamos umas luzes pra criar o clima e rola o cabaret com a banda (na sua formação original - guitarra, contrabaixo acústico, bateria, teclados, violino e voz) chamando os números entre uma música e outra…
E já são capa do guia da Casa da Matriz. Esse espetáculo contou com Sany Pitbull de DJ. Pode proibir o baile que ele rola. Miami Bass isso sim, de old school, funk mesmo é outra coisa, mas isso é outra coisa também. Mas é Rio de Janeiro.
A coisa é interessante e fica preta. Tudo é escuro. Mas o bloco traz um “black hole sun” pro meio do coreto, que fica balançado. Um sol esgarçado dentro do peito que nos leva ao passado sempre. Ao mal passado. Ao que está cru, como as mãos feridas depois do desfile. De quem toca surdo, pois bate e não ouve. A meninada não pode ser ingrata e tem que agradecer e estar ciente dos mestres que tornaram todo esse treco possível. Que ensinou todo mundo a sangrar, criar bolha e calo. Tem nego do Escangalha no Cru. Legal a coisa…. Paz entre as tribos do samba. Tradição e pé no chão. Asas à imaginação.
Quando: Domingos as sete da noite no Pista 3, Rua São João Batista, 14.
Esse post foi publicado de terça-feira, 3 de fevereiro de 2009 às 8:38, e arquivado em BLOG, Carnaval 2009, Festa. Você pode acompanhar os comentários desse post através do feed RSS 2.0. Você pode comentar ou mandar um trackback do seu site pra cá.
2 comentários para “Block’n’ roll cabar-ético”
Thaís disse: 4 de fevereiro de 2009 às 0:13
O Escangalha tá com tudo! Comecei a ensaiar com eles e espero aprender bastante em 2009 e ficar “tinindo” na caixa pra 2010!Adorei a matéria e é isso aí! Paz entre as tribos!
Teca disse: 4 de fevereiro de 2009 às 8:45
Adorei a matéria !!
Muito bem escrita.
Saude e Paz !

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