Wednesday, February 04, 2009

 

Zep Carnaval Cru


3 de fevereiro de 2009
Block’n’ roll cabar-ético
BLOG, Carnaval 2009, Festa

Por Fernando Carneiro
Eu confesso que esse negócio de carioca desengonçado virar batuqueiro já está ficando engraçado. Há milhares de “oficinas” espalhadas pela cidade e podemos afirmar sem forçar a barra que o “genesis” do momento atual é feito das idéias de Mestre Guilherme Gonçalves e Mestre Odilon, da Grande Rio, isso pra mais de dez anos. Nego do Monobloco teve aula com os caras, e tanto Guilherme como Odilon escreveram um livro, “O batuque carioca”, com notações musicais da “levada”, “bossas” e “convenções” de cada uma das escolas. Deram uma reativada nos blocos da Zona Sul. Influenciaram o trabalho do Rio Maracatu, até geograficamente. E foi a oficina das oficinas. E ainda é, pra quem quer apurar a técnica pra voos mais altos em baterias de escola de samba e essas coisas.
Mas falo da coqueluche atual, sem desmerecer o trabalho de (metafóricos) séculos de blocos da Sebastiana e congêneres. Estes já estabelecidos e no panteão.
Dessa fornalha dos anos 90, surgiu o já consagrado – dentro do que podemos categorizar de “bloco de bateria” - Bloco Rio Carioca, do próprio Guilherme e Odilon, e agora, pelo segundo ano, vai sair o grande filhote revelação (o Escangalha) que tem uma bateria de alunos afiadíssima, de primeiríssimo nível, dentro da categoria de blocos puristas. Ou seja, sambas e mais sambas clássicos. Que estão na boca do povo. O Escangalha tem como fundador Pedro Machado e, como integrante, Gabriel, seu irmão, que já compôs com Mestre Guilherme um samba enredo da Mangueira dedicado a Minas faz uns anos.
Bom, a juventude parece ter abraçado o samba, ou grande parte dela, e a coisa virou uma coqueluche. Vai na Lapa nem que seja a tapa. São necessários ensaios semanais diários, e já tem gente tocando muitíssimo bem. Então vieram os blocos não tão ortodoxos na leva.
Os que colocaram o funk na batida, outros ritmos, guitarras, fazendo uma (con)fusão, no bom sentido. Isso gerou controvérsias. Realmente alguns puristas torcem o nariz. Uma coisa é uma coisa e outra é outra. Por outro lado, tem gente que faz umas coisas interessantes, mas que não é samba puro. Eles podem ter a pegada e levada de samba, como o Monobloco, Bangalafumenga e Empolga as Nove, supercompetentes no que fazem. Mas mesclam influências. O que não tem nada demais. Pelo contrário, criam voz própria e identidade no processo.
Ora, é proibido proibir. Agora já tem Mulheres de Chico, ou em período fértil, sabe-se lá mais o quê. Gigantes da Lira, blocos temáticos com nomes curiosos, e outros que ainda não foram fundados como o Morde e Arranca, Urologia - Eu Quero Uma pra Viver, Espeto de Carne e outros mais.
E ainda assim, temos os ranchos, blocos tradicionais, os Bolas da vida, Boitatá, e os (de certa forma mencionados) Suvacos, Simpatias, Carmelitas, Imprensa, Barbas, Flor do Sereno (Rancho) e outros tantos. E os que já fazem parte do anedotário popular da cidade, como Cacique de Ramos e Pereirão – dentre os que saíam na Rio Branco. Enfim, não falta é baticum de todos os jeitos e mesclas. O livro de João Pimentel sobre o tema é de valia, aliás. Referência.
Mas há um ponto crítico.
Falta (para alguns) botar uma redoma no balneário e ligar o ar condicionado… O aquecimento global está tendo um impacto na nossa cultura, e isso é inadmissível.
(N.R.: momento de soltar o rabo preso, como vários deveriam fazer nesse país. Eu tive aulas com Mestre Guilherme, participei do Escangalha, e quando falava gugu-dadá ajudei a “fundar” o Rio Carioca. Fui embora e não participei de mais nada. Sou relapso e omisso. Não levo jeito. A organização deles lá é impecável. Mas voltei e passei a apreciar o samba que me era estranho. Nesse ano fiquei de fora pois não tive um segundo para participar de aulas, e, mais velho, tampouco aguento as temperaturas elevadas no balneário. Com ar condicionado, desfribilador e tanque de oxigênio, mais uma van da SAMU do lado, eu encaro tudo. Então eu, que fui péssimo aluno e - de nota zero a dez acho que não colaria grau de baticum pois sairía com um dois – trocadilho, please - pendurei meu agogô no gancho da rede.)
Pensei que já tinham inventado tudo de samba e carnaval no Rio. Quem vai para Recife ou Salvador vai lidar lá com o baticum autóctone e local. Aqui as variações fervilham Eu já meio que achando que esse carnaval não me traria muitas surpresas, peguei um dia o jornal, lendo o dito no ar condicionado obviamente, e vi o projeto do Cabaret Cru e Bloco Cru, no Pista 3, parte do complexo cultural da Casa da Matriz. Eu li e reli a nota na Megazine. Acho que não acreditei pois estava meio bom pra ser verdade. Ninguém me falou nada, mas eu, como cavaleiro errante, e solitário fui verificar. (continua aqui)
Dizia apenas que era um bloco que fazia seus ensaios-festas aos domingos COM AR CONDICIONADO num lugar escuro, com cara meio lounge metrequefe de Little Italy em Boston. No meu bairro. Não sou notívago e o tal de sete da noite já me fez mexer na cadeira. Nada de emissões de CO² pra ir pra Madureira. Ou para o Leblon. Com todo o respeito. O lugar tem personalidade, é gélido, e o bloco toca(ria) Amy Winehouse, Kiss, Radiohead, Roy Orbison (”Pretty woman”), Mutantes, Nirvana, Raul Seixas, sucessos de “disco” e coisa e tal. Eu sou desses caras que amam os Carpenters, Jovelina, Fish e o Clash.
Eu vi ali o Radiohead e separei na agenda – vazia de todo modo.
Além disso, tinha Zé Keti e grandes sucessos de baile de carnaval infantil. E isso mesclando batida funk, marchinha popular, maculelê, samba ou o que fosse. O ponto de ironia e grande descontração já está na pia batismal do dito cujo, quando jogaram água na fronte de Lu Baratz e Dudu Guedes, fundadores, e cantora e guitarrista, respectivamente. (Sim, habemus guitarra). Bloco Cru. Todo mundo é meio cru. Tem sempre uns melhores, mas prum aposentado inválido, e veterano de guerra como eu? Desce o agogô aí por favô de fulô. Não estou; sou cru.
Todo mundo é gente afinal e, como eu, meio (a)normal. O que é normal. Parece um bloco meio Haldol, as figuras ficam meio desligadas e o maestro para tudo. Os sashimis respondem. Mas é meio Ken Kesey também. Se tem estranho no ninho, tem “sometimes a great notion….” Ou seja, cai o raio, repete-se, e nego tira o pé do chão, que é o objetivo final. A vibração é boa, diz zifio cabôco eu médium, eu quase.
Ah. E outra idéia sensacional desse Bloco Cru é a saída ou desfile do mesmo. No pôr-do-sol do dia 22 de fevereiro ele vai sair. No Pista 3 mesmo, com ar condicionado, e não vai a lugar nenhum. Com ar condicionado. Entendi direito? Não, não é bem assim, mas não é assado (mais uma) tampouco, como diz Dudu:
- A idéia é sair pra rua no dia 22 (isso vai atrapalhar os seus planos com o ar condicionado), a gente alugou um minitrio e vamos até a Matriz e voltamos para o Pista 3. Aí sim tem ar condicionado de novo. Mas, seguinte, como é no pôr-do-sol, já vai estar mais fresquinho.
E com a palavra a charmosinha Lu Mó Baratz sem tirar nem pôr e sem trocadilho (essa criançada anda muito pré-cócegas):
- Alugamos o minitrio-elétrico, pelo motivo mais estético da coisa. O Cabaret Cru tem sempre esse perfil de encenação, por isso é uma banda-festa-espetáculo. Resolvemos ter um minitrio pra viver nosso dia de citação baiana e também de carroça mambembe do século XXI. Sempre com o filme “Capitão Tornado” em mente.Deu pra entender a confusão? Mas te juro que faz sentido. “Life is a cabaret, old chum, come to the Cabaret! Cruuuu!”. Nossa referência máxima é o cabaré, essa atmosfera lúdica embriagada, circense de bas fond.O Cabaret Cru resolveu fazer sua versão bloco da vida pra não deixar de pular na folia nem ficar de fora, porque gostamos é de diversão full time. Mas preservamos nossos princípios que embaralham e assumem o gringo, o aveludado, aqueles que também gostam de dias chuvosos, mas que não dispensam a brasilidade, a tropicália e a fusão. Assumindo sem medo de ser feliz e de ferir puristas. Buscando o rock que nos faz dançar sem parar e unindo ao frenesi rítmico do nosso carnaval. Uma orgia carnavalesca, enfim. Entrega aos ritmos irresistíveis que são parte desse afeto, dessa entidade Carnaval que supera qualquer pré-conceito excludente. Somos diversos.No fim juntamos duas coisas irresistíveis: o “Rock’n’ roll all night and party every day” com o maculelê, pancadão e lirismo dos tempos do onça (marchinhas). Aliás, o lirismo fica por conta desse minitrio-elétrico Capitão Tornado, commedia dell’arte (Ettore Scola). Nada de estrangeirismos apenas. Somos o que somos: performáticos, brasileiros, das artes visuais. Cheios de importados e com um monte de bagagem genuinamente brazucas e por aí vai. O Cabaret Cru nasceu de uma performance minha que criou uma figura-personagem-persona a Noiva Açougueira. O enredo é assim: ela foge do enlace matrimonial para assumir sua verdadeira vocação (não de esposa) e sim de cantar em cabarés ao redor do mundo. Da longínqua Bessarábia transilvânica ao luxo de Paris. Ancorando suas forças vocais no Cru, um cabaré febril no Brasil de onde não quer mais arredar o pé.A Noiva é um alter ego meu. E a mestre de cerimônias e criadora do balacobaco todo. O Dudu Guedes é o braço direito de tudo. E no fim peça chave de toda a engrenagem cabaresística.
Ah tá, já é… demorô…. Então é Joel Cinza e Lu Minelli. Mas tá cheio de rebolado vernacular a coisa, tá bonito. Que ninguém se meta a besta, é cabar-ética na cabeça e na calabaça. Coisa cabarística, chama a Madonna, meia-calça e spandex.
Voltando às trevas cabaro-sibaríticas. Tem sofá lá atrás pra quem tá cansado. E interlúdios lúdicos entre um esquindô e outro com DJ. Engraçado ver tanto jovem já gostando do bem bom e do conforto. Pensei que ia ficar tudo suado, grudento e banhento no meio da rua com bafo de marafo, fumando Continental, mas não… Tem essa alternativa. Com repertório que não ouvi falar ainda não. Pode fazer isso tudo do lado de dentro.
Radiohead.
E a melhor versão da meninada, que bota a casa pegando fogo, é o “Come as you are” do Nirvana. Já está virando um absurdo essa invasão bárbara do império ianque. Já é hora de chamar o Aldo Rabelais do pecedobê e seu saci pererê… Samba só em carioquês, desde o talabarte para segurar repinique, até o armilóki do Hélio Gracie, que Deus o tenha. A gente fica dividido com tanta influência.
Mas esses molecotes mal passados do Cru tem seu Cabaret, fazendo números meio burlescos com pitadas de Tom Waits e Dolores Duran.
Dudu se estende um pouco mais no assunto:
- Um dos espetáculos que fizemos (em dezembro) foi o Cabaret Cru Contos de Fadas. O Histórias que as Nossas Babás Não Contam… foi o nome da exposição que fizemos… durante o evento…
Quem vai no site www.cabaretcru.com vai se deparar com vídeos de alguns eventos. Ainda Dudu sobre porque o nome não é incongruente: “
- O centro de entretenimento artistico é uma expressão pomposa do primeiro release, foi o que encontramos na época para traduzir um pouco o espírito da festa-banda-banda-festa: botar um monte de coisa (centro) acontecendo (entretenimento) ao mesmo tempo (artístico)… Então sempre rolam vídeos, exposição, comidinhas no segundo andar, enquanto embaixo armamos o Cabaret com cortinas, cenário e adereços, descemos as mesas, colocamos umas luzes pra criar o clima e rola o cabaret com a banda (na sua formação original - guitarra, contrabaixo acústico, bateria, teclados, violino e voz) chamando os números entre uma música e outra…
E já são capa do guia da Casa da Matriz. Esse espetáculo contou com Sany Pitbull de DJ. Pode proibir o baile que ele rola. Miami Bass isso sim, de old school, funk mesmo é outra coisa, mas isso é outra coisa também. Mas é Rio de Janeiro.
A coisa é interessante e fica preta. Tudo é escuro. Mas o bloco traz um “black hole sun” pro meio do coreto, que fica balançado. Um sol esgarçado dentro do peito que nos leva ao passado sempre. Ao mal passado. Ao que está cru, como as mãos feridas depois do desfile. De quem toca surdo, pois bate e não ouve. A meninada não pode ser ingrata e tem que agradecer e estar ciente dos mestres que tornaram todo esse treco possível. Que ensinou todo mundo a sangrar, criar bolha e calo. Tem nego do Escangalha no Cru. Legal a coisa…. Paz entre as tribos do samba. Tradição e pé no chão. Asas à imaginação.
Quando: Domingos as sete da noite no Pista 3, Rua São João Batista, 14.
Esse post foi publicado de terça-feira, 3 de fevereiro de 2009 às 8:38, e arquivado em BLOG, Carnaval 2009, Festa. Você pode acompanhar os comentários desse post através do feed RSS 2.0. Você pode comentar ou mandar um trackback do seu site pra cá.
2 comentários para “Block’n’ roll cabar-ético”
Thaís disse: 4 de fevereiro de 2009 às 0:13
O Escangalha tá com tudo! Comecei a ensaiar com eles e espero aprender bastante em 2009 e ficar “tinindo” na caixa pra 2010!Adorei a matéria e é isso aí! Paz entre as tribos!
Teca disse: 4 de fevereiro de 2009 às 8:45
Adorei a matéria !!
Muito bem escrita.
Saude e Paz !

Comments:
Tem outro Eduardo Guedes que também toca guitarra....
www.eduardoguedes.net
Aqui tem uma entrevista no site do projeto sextas no jardim:
http://sextasnojardim.blogspot.com/2009/06/eduardo-guedes-trio-se-apresenta-nesta.html

..o show já rolou, mas vai ter denovo dia 14 de agosto.

Só não pinto nesta sexta no pista 3 por quê já tenho um gig!

Abraço!

Manda um abraço pro Dudu Guedes! Quero trocar uma idéia com o chará!
 
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