Wednesday, July 26, 2006

 

La Buenos Aires del Beato

Bs. As. tem muito a ver com isso. Eu adorei, mas um amigo que morou lá a vida inteira e estava lá visitando a família disse que prá eles tava tudo uma merda, porque confrontam o presente com a imagem que retêm do passado. De fato, até pelo traçado urbano, a cidade floresceu há muito tempo: em sua maioria, as ruas são muy angostas (estreitas), é como se tivessémos uma ou duas ruas do tamanho da Primeiro de Março no meio (depois do Edifício Garagem), como seria as Avenidas Córdoba e Corrientes, com várias Ruas do Ouvidor como transversais, numa época em que esse era o modelo de cidade e, coisa boa, muita unidade arquitetônica, tudo possivelmente construído aproximadamente ao mesmo tempo, quando inventaram o frigorífico e o dinheiro das exportações de carne aportava em peso (com duplo sentido), além daquele proveniente do vinho e do trigo que também são ótimos. Um prédio lembra a galeria Sloper, perto da Anita Garibaldi, em Copacabana, nosso canto de decadência. Foi a melhor relação custo-benefício que podia ter em termos de viagem (até porque uma passagem saiu de graça com o programa Smiles); a carne, divina, a melhor do mundo por causa dos bois do pampa (que caminhavam sem relevo e por isso não ganhavam músculos, ficavam com a carne super tenra), comida quase dada (nos restaurantes em que nego come todo dia, dá prá comer com uma taça de vinho por pouco mais de cinco reais, dois dólares, isso com bife de chorizo), e mesmo os asadores criollos são bem mais baratos que nossas churrascarias servindo carne bem melhor, como o cordero patagónico, o chivito (cabrito) com salsa criolla e chimichurri. Isso além do sabor da língua castelhana na sua versão lunfarda, com italianismos, galeguismos (do qual o excesso de "x", "xô" que é "eu" etc. é uma marca) e gauchismos, o vos criollo que serve para tudo e o onipresente x/j a fazem tão diferente da matriz castelhana com seu seseo, mas é bom não traduzir muito porque senão fica um Brasil em espanhol, quando se lê as notícias fica parecendo demais conosco e aí deprime. Ao contrário de 1976, quando fui pequeno com minha mãe e meu irmão numa excursão, já tem mendigo revirando lixo e menino de rua cheirando cola em frente ao Congresso, na Plaza de Mayo, e gente estranha em parques como o Jardim Botânico de Palermo, mas nada que afaste muito os turistas nem que se compare ao Rio. Uma prostituta com cara de destruída, cabelo louro pintado e minissaia sob 15 graus oferecendo serviços em pleno dia atarefado da carne Lavallle, outra de mais alta classe que me entreolha convidativamente tomando una copa sozinha numa mesa de bar . Muita gente simpática, gostando do Brasil, choferes de táxi melhores em geral que garçons, algumas pessoas agressivas pedindo dinheiro quando se tira foto de lugares turísticos. Muitos lugares que são um retrato do passado glorioso, como a estação ferroviária Retiro que de muitos ângulos lembra a gare du Nord onde se pega o trem prá Amsterdam. A ex-Torre dos Ingleses virou Torre Monumental, e em frente a ela colocaram um monumento em homenagem aos mortos da Guerra das Malvinas, uma chaga no coração do país, perto do Sheraton onde fiquei naquele longínquo ano e que hoje parece uma fortaleza inexpugnável, com barreiras e seguranças mis. Paris é o modelo evidente desta cidade belíssima, que mostra a Europa que podíamos ser e que, pior, um dia fomos e que hoje parece cada vez mais distante, la vergüenza de haber sido y el dolor de yá no ser, a cidade-luz modelo presente até nas grandes praças e avenidas Haussmanianas, porque teremos optado em reproduzir a Europa em vez de criar um paradigma próprio como os EUA? Estará aí a raiz de nosso fracasso, essa fixação numa fase anterior a nossa própria história, a rendição definitiva à condição de exilado em sua própria pátria? Falam (os choferes de táxi, meus principais interlocutores) muito na unidade latino-americana, apesar de tanta nostalgia não senti muito baixo astral, por exemplo, nos locais que dançavam na milonga da matinê de sexta-feira da Confiteria Ideal, onde se misturam aulas prá turistas e dança para locais que bailam fechando o olho de prazer e enlevo, não vi tristeza, mas o mesmo velho prazer que resiste, e não há cheiro de mofo nem no tradicional show no Viejo Almacén, mas o dinamismo de um setor ainda vigoroso, o do turismo. Curioso o dado de que o Cemitério é um ponto turístico, o da Recoleta, vi vários túmulos belíssimos, uma exposição de arte ao ar livre. Os bosques de Palermo são um prazer para se passear, a cidade tem essa coisa ótima que se faz muita coisa a pé, nem saí tanto à noite porque ficava cansadíssimo. Um achado foi Puerto Madero, que revitalizou uma parte abandonada da zona portuária, coisa que o Rio ainda não conseguiu fazer. Uma quantidade inacreditável de livrarias, desde pequenos, bagunçados e apertados bouquinistes até as modernas livrarias com café nos shoppings, só no final vi a mítica Ateneo, one step ahead das nossas Saraiva, com uma organização minuciosa de livros além de uma tradição única que se sente no ar. É bonito e barato o artesanato das feiras como as de San Telmo e Recoleta, mas, é claro, são o ganha-pão da lúmpen-classe média local, que cada vez incha mais com o desemprego crescente. Bons shoppings, o Café Pacífico e o Patio Bullrich, sobretudo para se passear, porque são uma das poucas coisas realmente caras (em termos de Brasil) que se tem aqui. Não fiz um monte de coisas além da noite de não conheci, nem dava tempo, o passeio de barco que sai de Tigre, a Petrópolis portenha, o barco até Montevideo etc., dá prá voltar tranquilo daqui a pouco, recomendo muito, apesar da nostalgia.

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