Monday, November 06, 2006

 

Leituras recentes....

Fora o 11 de Setembro do Ivan Sant'Anna....

“Caminhos de Saída do Estado de Menoridade: Platão, Kant e o Problema da Autonomia” de Alfonso M. Iacono (2001)

Creio que só o prefácio do Muniz Sodré já vale o ingresso.

“Mündigkeit, ‘maioridade’, refere-se etimologicamente, em alemão, a boca (Mund) e fala. Maior é aquele que se acha em condições de assumir plenamente, no interior da Cidade Humana, o discurso. Seu contrário, Unmündigkeit, é a menoridade ou impossibilidade de aproveitar a abertura da linguagem. Em latim, criança ou infante (infans) significa literalmente ‘aquele que não fala’... Não se trata aqui, porém, de nenhuma qualificação biológica. Menoridade ou heteronomia cultural e existencial é a condição “muda”, de não-crescimento que aprisiona o sujeito dentro de limites rígidos, impedindo-o de ver com outros olhos o mundo que o cerca e levando-o a enganar-se com suas próprias sombras e miragens...”


“A Bolsa e a Vida: A Usura na Idade Média” Jacques Le Goff (1989)

Basicamente uma antecipação ao “O Valor do Amanhã” do Giannetti, mas mais focado na origem do problema de consagrar o dinheiro em si como um valor. A escala de aferir o valor do próprio capital e seus desdobramentos na criação da sociedade proto-capitalista. Obviamente que os impactos analisados são de cunho social e teológico, com implicações inesperadas e divertidas. Ao se dar valor ao capital, ele mesmo barômetro de objetos, passamos para o subjetivo, para a gangorra mercadológica, no âmago da alocação dos recursos escassos. Le Goff tem outros livros e estudos, para quem já sabe, sobre a Idade Média.

“Revista Orixás”

Numa edição especial, com o Babalorixá Karlito D’Oxumaré, temos um belo artigo sobre orixás nem tão famosos como Airá e sobre o povo cigano na Umbanda. A matéria é muito boa. Fala-se no debate sobre a origem étnica dos ciganos divididos em kalderash e matchuaias, mas Flavio Nalini fala que na verdade a divisão é entre os rons e kalons. O povo não surgiu na Índia e sim na Pérsia, ele sustenta, por volta de 3000 AC. E os kalon entraram na Europa por volta de 1300 DC. Mas o mais importante é ver como surgiu o sincretismo deles com a nossa geléia geral tupinambá. Bem como outros artigos falando do Catimbó, onde há uma síntese do sincretismo já mameluco com o afro. Isso aqui é o Brasil...

“Táticas do Signo: Semiótica e Ideologia” Eduardo Neiva Júnior (1983)

Eu tive aula com ENJ na PUC. Era um período nebuloso, mas sua aula era estimulante para os alunos. Parecia ser um sujeito sério e boa praça. Catei a esmo algo no seu livro pois queria ler mais sobre essa questão em debates pré-Umberto-Eco-romancista. E achei lá uma pepita rodrigues:

“A semiótica constitui seu objeto – o signo – a partir da abstração de caracteres sígnicos observados. A inteligência científica responsabiliza-se pela decomposição analítica do que se experimenta....”

Enfim, com essa leitura eu compreendi porque não entendia muita coisa naquela época. Ou talvez por isso tenha saído correndo.... Nunca se sabe. Mas é uma boa tese requerendo maior rigor científico e intelectual, uma bela editada e menos Sorbonne e mais Oxford.

Comments:
Complemento importante pro Le Goff que saiu recentemente no Brasil e "Os Judeus e o Dinheiro". Interessante tocar nisso porque e desafiar o politicamente correto e levar em conta a relacao que o povo de Israel tem com o desenvolvimento da atividade financeira. Como, por um lado, muitas vezes eram proibidos de possuir terras, e, por outro, nao estavam sujeitos a proibicao crista de cobrar juros, sobrou-lhes a intermediacao financeira como meio de vida, alem de oficios a ela associados, como a joalheria, que dava a vantagem de mobilidade se tivessem que fugir de perseguicoes (poderiam, com certa facilidade, adquirir ouro, ativo internacionalmente aceito). Curioso que mesmo os banqueiros islamicos, sujeitos a mesma proibicao que os cristaos, prescrita no Corao e na Sunna, contornaram-na com praticas como os Ijarah e os Morabaha, que fazem magicas como transformar a moeda dos infieis em coisa e cobrar aluguel pelo uso dessa coisa etc., e, como nao ha posicao pacifica a respeita no Direito Islamico, os bancos locais nomeiam especialistas para o Board que depois certificam que o Banco exerceu suas atividades conforme a pratica islamica. E sempre assim: para o homem comum, o dinheiro e o unico Deus, e todo desprendimento sintoma de loucura.
 
Sobre a “Revista Orixás”: me lembrava dela do Brasil, e ja tinha visto um livro sobre Umbanda na casa de um ex-socio, advogado e macumbeiro. Me preocupa um pouco essa intelectualizacao da umbanda e do candomble, religioes que pareciam mais resistentes a uma sistematizacao canonica e que pareciam mais fieis a tradicao direta, que e a unica forma confiavel de transmissao do conhecimento psicologico contido nas religioes. Vale ainda o auxilio luxuoso de Pierre Verger, que de playboy na Paris dos anos 30 passou a babalorixa na Salvador dos anos 60, reestabelecendo o elo perdido entre os sacerdotes do Benin e Nigeria e o Mae Senhora e o Araketo. Perguntaram-lhe se ele acreditava na incorporacao, e ele negava, dizia apenas que achava que aquilo era um contato com a essencia para o qual ele, educado no racionalismo gaules, estava incapacitado. Segundo um colega nigeriano ioruba de meu curso de Direito Economico Internacional aqui na Inglaterra, a religiao dos orixas praticamente so sobrevive em seu pais em Ifa, o pais esta praticamente tomado pelo Deus de Abraao em suas vertentes crista e islamica. Mas sabia os nomes dos orixas que sao os mesmos. Agora, impressionantes sao as junguianas coincidencias. Ingmar Bergman, num de seus primeiros filmes, facilmente encontravel nas boas locadoras cariocas (Jungfrakallan - "donzela"), mostra a Suecia medieval em que o cristianismo comecava a predominar sobre a religiao do Valhalla. Uma sueca classica, lourissima, crista, e encarregada de levar um estandarte a um festival cristao numa cidade proxima. Morta de inveja, a irma bastarda, morena, literalmente poe-lhe o nome "na boca do sapo": descarrega um ebo escandinavo fortissimo para Odin, botando literalmente um sapo no lanche da moca que, ao passar numa encruzilhada e deparar com alguns jovens que nao fosse por isso seriam perfeitamente razoaveis, e por eles (ou melhor, pelo exu caveira que, em sua versao nordica, cavalgou-os) estuprada e morta. Na verdade, nao ha essencia nacional, so personalidade nacional, nao ha raca, nao ha etnia, a geleia geral e a unica realidade essencial, e a globalizacao, anterior a si propria. So o ego divide, o intimo de nos e apatrida. Nao ha nem identidade, so fluxo, as diferencas estao apenas na superficie como ondas. Mas ha os tsunamis.
 
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