Friday, December 15, 2006

 

Relato do Beato


Cônsul português em Newcastle (1875), Eça de Queirós escreveu suas Cartas de Inglaterra — que, naturalmente, eram sobre Portugal, com a lucidez que só a distância dá. Eu estou longíssimo de ser Eça, nunca serei nem um centésimo disso, meu alquebrado português carioca nunca se comparará ao seu cultivo luso-naturalista da ultima flor do Lácio. Tampouco sou desse tempo, tão diferente do nosso na para sempre perdida lentidão de seu fluir, mas ao menos tenho a vantagem de estar no mesmo espaço — isso pra quem acha que se pode passar duas vezes pelo mesmo Rio. Achei, assim, que podia escrever estes meus E-mails da Inglaterra — que, eventualmente, poderão versar sobre outras partes deste Reino, cada vez menos Unido, onde vim fazer um mestrado, ou mesmo outros reinos ou repúblicas do Velho Continente, dependendo de onde o sistema de transporte europeu-comunitário me levar. Como o leme da mente esta sempre atrás, então estamos sempre no mesmo barco, singrando sempre o mesmo mar. Mesmo quando o tédio ou o desespero nos levam a mudar de paisagem e de figura, vamos sempre pelas mesmas águas. De todo modo, e se o universo não for um círculo, seguimos adiante.

Acalorada polêmica no vibrante órgão da Universidade em que estou estudando, o javali (The Boar) sobre a China, o grande enigma desse nosso mundo supostamente globalizado, ou em vias de. Um estudante daqui esteve lá e desancou a sinoditadura, a censura em websites, a ausência de qualquer noção de democracia. Alguns dos muitíssimos estudantes mandarins (de longe, a maior comunidade alienígena desta briosa instituição educacional) partiram como Jack Chans furiosos em defesa antigo Império do Meio, como se realmente quisessem botar no meio do seu (isto é, dele, editor do jornal), brandindo seu inglês canhestro em zilhões de cartas desaforadas como nunchakus verbais. Receberam direito de resposta, mas levaram logo a tréplica na cara, que ficou ainda mais amassada do que já é. Nela, muitos pontos fortes, que revelam a difícil, senão impossível compatibilidade da cultura de Confúcio, Lao-Tzé e Mao Zedong com o Ocidente. Por exemplo, apesar de teoricamente socialistas, nunca socializam com estudantes de outros países. É a pura verdade. Em uma das minhas classes, com uns 40 alunos, eles são dez, sentam todos lado a lado e, talvez excessivamente acostumados a apenas ouvir a verdade oficial, não falam nunca. Isto irrita profundamente o professor, que espera e cobra participação de seus alunos, no que é atendido, normalmente, apenas pela minoria composta por este brasileiro (modestamente), um austríaco, um alemão e uma búlgara. Recentemente, perguntou aos chinas como defenderiam sua pátria se fosse instaurado um panel contra o governo chinês, por não atender, no processo de produção de seus automóveis para exportação, medidas ambientais determinadas pela Organização Mundial do Comércio. Nada agressivo, portanto: ele apenas queria que os fu-manchus participassem, frisando que painéis como este poderiam efetivamente ser instaurados como uma estratégia de combate norte-americana contra a maior eficiência da China para produzir carros baratos. Em seguida, respondendo a provocação, dois chinas falaram. Um que até então jamais abrira a boca iniciou, de repente, num inglês de fazer o bardo de nossa vizinha Stratford se revirar na cova, um inflamado discurso politico em defesa da pátria socialista. Admirei-lhe o esforco, mas o fato e que não respondeu a pergunta do professor, deixando de esgrimir qualquer argumento técnico.

Por que são tantos aqui, e tão defensivos? Por que nunca se misturam? De onde vem o dinheiro que os sustenta: são filhos dos novos milionários chineses ou espioes a servico do governo de Pequim? Muitas perguntas sem resposta. Outro dia me disseram que valorizam muito a educação, e esperam que um membro da família, uma vez hiperqualificado, venha a sustentar vários outros. Há pouco, na festa mais internacional a que ja fui, o aniversário do supramencionado austríaco, havia indianos, paquistaneses (que se abraçaram apesar de há pouco seus países quase terem jogado bombas atômicas um no outro), uma somali, uma saudita, os personagens europeus acima e outros sul-americanos além deste, mas nenhum falante nativo de mandarim, apesar de serem mais de 30% da turma. Quando nos dirigem a palavra, ainda que simpaticamente, em geral é pra tirar uma dúvida conosco. Não batem papo, não dão muita conversa, mudam de assunto quando perguntamos se é verdade que nas provincías mais pobres comem qualquer coisa que se move, de insetos a cachorros, o que acabamos fazendo até como resposta a sua postura renintentemente isolacionista. As estudantes chinesas, na deselegancia discreta de seus modelos de lojas de departamentos de Shenzhen ou Guangzhou, se vestem melhor que suas grunges colegas britanicas (o que é impressionante se se levar em conta a diferenca de renda per capita), e são bem mais femininas (o que não é grande vantagem, porque a inglesa media é machuda mesmo). Conseguem ser entrevistados por grandes firmas da city, ansiosas em fazer negocios (no bom sentido) com a China. Quem reclama da arrogante hegemonia da América protestante de hoje não perde por esperar o império dos mandarins, com seu passado longínquo glorioso e o outro, mais recente, do ressentimento pela humilhação a que foi submetida pelas potencias ocidentais e pela potencia asiatica hoje declinante, o Japão, que eles tanto odeiam pelo sofrimento que lhes infligiu na Segunda Guerra. A faculdade pensou em abrir um campus em Singapura, mas abortou o plano. Por que? Talvez porque, sorte nossa, ainda seja quase impossivel fazer negocios da China nesse pais quase tão inexpugnavel como sua Grande Muralha e tão misterioso aos olhos não-puxados dos ocidentais como seus ideogramas. A China é hoje o que o Brasil foi nos anos setenta — chavao das relaçoes internacionais. Sera o país do presente — um novo e amarelo Estados Unidos, hostil ao Ocidente —, ou continuara, como nos, para sempre o pais do futuro, outra grande impotencia mundial, deitado eternamente em berço esplendido depois de uma frustrada tentativa de ereção? So o tempo dira — ou calara. Na proxima coluna falarei do outro grande Imperio, fantasma da Guerra Fria que volta a nos assombrar — ou melhor, envenenar: a Russia.

Comments:
Did you take the photo? The visual quality of the photo is solid...solida!

Have you seen my Hong Kong photos?
http://arjay.typepad.com/photos/man_mo_temple/index.html

and

http://www.flickr.com/photos/deaixa/sets/72157594379379859/detail/

Adorei Hong Kong! Os chineses de la estao acosumados aos forasteiros. O resultado e uma cidade hostil e acolhedora ao mesmo tempo.
 
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