Sunday, June 24, 2007

 

Rita Moutinho

(A Rita e o Leo, vi os dois no Sabadoyle, eu sozinho, sozinho, no meio de uma familiada sem fim dos dois, ambos na "coronation" do casamento da Rita depois de vinte anos com o Ricardo, "no solamente tuvo" essa felicidade, mas sim a de se tornar no meu ponto de vista, longe, longe a maior poetisa viva no Brasil e falo sem exagero, vai ai pra enterrar as sombras... and any doubts about it.... Soneto no es juguete de chicos.....)


“O livro Sonetos dos amores mortos, de Rita Moutinho, traz consigo, e para nós,
o choque, a ferida sangrando dos amores desgarrados, perdidos, ou extraviados, no dia a dia, no corpo a corpo, da aventura humana. O vigor da linguagem sabe, com raro apuro verbal, dizer as formas da perda ou do luto.
A alta temperatura afetiva organiza o tenso convívio das palavras: o desacordo e o acordo. O que o tempo desfez a linguagem refaz, porque só ela é capaz de guardar o tesouro escondido, e recuperar a sua voz silenciada." EDUARDO PORTELLA

“Em Rita Moutinho, particularmente nestes estupendos Sonetos dos amores mortos, percebe-se que a intensidade do sentimento lírico, aqui e acolá atravessada pela mais cortante ironia, se articula de modo admirável ao trabalho com as formas fixas do verso e do poema, gerando um conjunto coeso que transforma a cinza do amor na cintilação e na brasa perpetuamente renasci da do poético.” ANTONIO CARLOS SECCHIN



SONETOS
DOS AMORES
MORTOS


Soneto pós-moderno do adeus definitivo

A névoa do silêncio é tão intensa
que sinto o triz do adeus definitivo.
Minhas palavras morrem na sentença:
— Morri, adeus, não salve meu arquivo!

Deletar a saudade, tua presença,
é pôr no coração vácuo afetivo.
A razão corrobora e inda me imprensa:
— Morreu, adeus, o morto cinge o vivo!

Se não há par, irei salvar-me como?
Vivente, eu me formato como morta
e ponho uma redoma em torno à dor.

Emprestado do breu o luto eu tomo
e faço uma incisão em minha aorta.
Teclas líricas morrem. Adeus, amor!


Soneto da despedida felliniana

Aos poucos a esperança entra no beco
e dá com um paredão inexorável.
Tento britar o fim que há no concreto,
nenhuma fresta se abre nesse entrave.

Olho o céu. Sob os astros, vejo um teto
de nuvens carregadas e negra ave
a dizer "nunca mais" em tom severo,
uma sentença breada que me abate.


Carrego na bagagem rosas, cardos,
alegres beija-flores, vis abutres,
estivais cobres, chumbos invernados.

Embarco com o passado e com Schubert.
Silva uma nênia, já la nave va.
Cinzas do amor mergulham no alto-mar.


Soneto do fim de caso com mágoas e ódio

Tu me disseste pluma, docemente,
quando o sumo do caso inda ebulia,
que tinhas de serrar nossa corrente.
Meu meio aro de ferro, em avaria,
não sangrou, continuou férreo e imantado.
E havia a sina: tanto adeus falido
e tanto reencontro emocionado ...
Mas era cova funda o concluído.
O ferro enferrujado por sal e águas,
que viam os calendários a se esvair,
deu tétano, fechou a glote, e as mágoas
e o ódio eram os adjetivos no exaurir.
Por pressão dela tive árduo final.
Antes houvera um crime passional!


Soneto do martírio dos motivos poeticamente superado

o relacionamento acaba e, então,
nas ramificações de urdido arbusto,
se escondem os motivos da cisão,
e a mente encontra a luz com muito custo.

Não me cura o consolo da razão,
ao elemento terra não me ajusto.
Que a dor em fogo, ardendo na emoção,
poética explique o fim do amor augusto.

Éramos algodões-doces, mas desfiamos
na boca de um acaso corrosivo
que dissolveu o açúcar do encanto.

Não lamentar, louvar! Amar? Amamos!
Que fique na memória o mel festivo,
mais pungente o sorriso do que o pranto!


Soneto amargo para dia de desespero

Um lobo uiva na lua do meu peito,
uma cruz me aprisiona com seus pregos,
uma insônia revolve a paz do leito,
uma pena de cacto esvai teu espectro
num poema com visco, contrafeito,
numa rima que ecoa, em outra sem eco,
numa imagem que trunca o fluir perfeito,
num metro em que não cabe o meu flagelo.
É que hoje tua memória é ave implume,
a frustração um soco numa nuvem,
a nostalgia é fruto oco de sumo.
É que hoje o teu vazio é um mar mudo,
a solidão uma forca com algoz negro,
a saudade uma face sem espelho.

Extraídos de SONETOS DOS AMORES MORTOS.


ROMANCEIRO
DOS AMANTES


SONETO DOS DESENLACES

São cristais com clivagem os casamentos.
Sabemos sem restauro as alianças
que foram de ouro em dilatado tempo
e hoje são doridas dissonâncias.

Urge rarefazer ares sem esto,
e juntos, amparados, na balança
pesamos o bolor dos desalentos,
cogitamos no abrir nossas ventanas.

Nosso encontro fundava os desenlaces,
mas não nos prometíamos: apenas,
assemelhados com a alma azul das aves,

azulávamos nuvens dos combates
como éramos: sensíveis tais avencas
com raízes/hastes na eternidade.


SONETO DO EQUINÓCIO ADIADO

Hoje o silêncio corta o fio do equador
e incomunicáveis os pólos orbitam
desgarrados da esfera terrestre. O calor
e a ardência tropical, mudos, se gelificam.

No equinócio, dia e noite — assim como o amor —
se equivalem e por isso se presentificam
o equilíbrio, a medida-anel do cobertor
e do corpo gelado quando se unificam.

Estamos na distância e no incomunicável
por motivos que nem os astros nos explicam.
Medo? Será o medo que faz dissociável

a junção dos amantes que se estigmatizam?
A nódoa do pecado no imo é implacável.
E, súbito, equinócio e harmonia se adiam.

SONETO DO PODER MORRER

Mais uma vez os olhos se fitaram,
e as íris se abriram para a luz.
Nossas palavras, níveas de vis máscaras,
eram de novo o raio que seduz.

O que me dizes pluga o lume da alma,
o que te digo deixa os freios nus.
Ai como este romance me aclara
o enigma de Bentinho e Capitu!

Só quem viveu uma história misteriosa
com sabor de realismo que é fantástico
há de saber que dentro dos emboras,

viaja-se no pêlo nu dos ácidos,
incorpora-se a dor de cravo e rosa
e escreve-se: "Vivi!", como epitáfio.

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