Thursday, December 06, 2007

 

Amor e Cia. Ltda.

(Meu comentário sobre o texto:

Curioso, pois esse é um livro muito marcante na cultura anglo-saxã, tipo rito de passagem, um pouco além do Pequeno Príncipe nas nossas hostes. Falo do “Surprised by Joy” do C.S. Lewis, Ele sempre tem um efeito de mudar a rota das pessoas. Tipo o Apanhador nos Campos de Centeio, Salinger, que aqui não faz o menor sentido, mas pra quem respira e vive nos EUA é incrível a força, não fica datado. Esse filme aí com o Hopkins é forte mas nem tanto. E eu acho que o resenhista foi um pouco raso, quer dizer legal, mas é muito mais que isso. Que o amor traz com ele o potencial da dor é inegável. Por isso o tal do Dharma no budismo, no fim escolhemos um caminho e temos que ficar com ele, o sassaricar é complicado, sente-se a liberdade, o "poder" respirar - e aqui não falo afetivamente, e sim estritamente no campo espiritual, mas pra você atingir uma maior concentração temos que ter uma disciplina pétrea e férrea.

Então voltando ao amor, construímos a memória afetiva, mas no sentimento da entrega se expurgam dissabores, passamos por cima das expectativas que nem deviam existir pois se refere ao que projetamos no outro. E o outro ou outra, coitados, tão lá vivendo sua vida, com as inclinações impostas por seus corações, suas fraquezas, demandas da vida. Eu acho que aí temos barreiras na realização de um desejo pleno e entram as meia-travas. Muito complicado mesmo mas a gente tem que fingir que nao é. A chave é se aceitar, aceitar os outros, e reduzir expectativas. Muitas vezes uma pessoa reduz expectativas e não quer dizer que fique mais calma ou feliz, mas curva-se à uma realidade... O C.S. Lewis, tão ascético, acabou tendo uma história de vida paradigmática, que nem mesmo a melhor ficção esboçaria... E diferente de Chesterton, a vida trouxe uma visão distinta das coisas.... Falo desses escritores com forte pendor teológico. Mas pra finalizar, é muito hegeliano o discurso de que a dor e felicidade são condições de ambas, pois é dizer dialeticamente que pra provar a existência de tal condição, precisamos saber se existe a negação de tal, pra provar a existência. Velha armadilha epistemológica... Mas que não leva a lugar nenhum... E ninguém quer dor... E, de pessoas com um mínimo de retidão espiritual e moral, mormente, elas não querem dor pra ninguém como objetivo de vida. Conseguir isso é não ter dor nenhuma. Aí é só amor. Lá no Variedades do William James tem a passagem mais marcante disso que nunca esqueci: do futuro Buda encarnado como lebre que pula no fogo para se auto-cozinhar para servir de refeição para um mendigo. Com o detalhe de que antes disso se sacudiu três vezes para se certificar de que nenhum inseto que carregava na penugem morreria no processo.)


FSP

São Paulo, quarta-feira, 05 de dezembro de 2007


JOÃO PEREIRA COUTINHO

A definição do amor


A dor que sentimos pelas pessoas que amamos faz parte da felicidade que tivemos. Ambas são condição de ambas


CONHECI C.S. Lewis aos 9 anos. É a idade certa para conhecer Lewis, de preferência se estivermos numa cama de hospital. As noites são longas, as noites são solitárias. Mas quando o livro é "O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa", a única coisa a lamentar são as chegadas das manhãs.Conhecem a história? Não falo do livro, falo de Lewis. O livro é conhecido: Edmund, Lucy, Peter e Susan descobrem certo dia que o fundo de um velho guarda-roupa não é o fundo de um velho guarda-roupa. É passagem para um outro mundo. Narnia, eis o nome desse mundo, e em Narnia me perdi com eles aos 9, aos 10, aos 11.Só mais tarde descobri a vida do autor: Clive Staples Lewis, nascido em Belfast, educado em Oxford, professor de literatura medieval e renascentista. Amigo de Tolkien. Pregador cristão, depois de uma conversão ao catolicismo (sim, como Graham Greene ou Evelyn Waugh), experiência epifânica que ele conta em "Surprised by Joy". Morte em 1963.Mas a história de Lewis não acaba aqui. A verdadeira história aconteceu nos últimos anos de vida, quando o celibatário escritor foi surpreendido por uma outra "Joy", não em espírito mas em carne e osso. Joy Gresham, uma leitora americana, cruza o Atlântico para fugir de um casamento arruinado. Traz o filho, que traz os livros para Lewis assinar. Conhecem-se. Tornam-se amigos. E casam por conveniência: Joy necessita da cidadania britânica para ficar no país, Lewis acede ao pedido. Tudo em segredo. Subitamente, Joy adoece. Grave, gravemente. Lewis sabe que a vai perder. E nessa certeza sabe também, pela primeira vez, que está profundamente apaixonado por ela. Casam novamente. Desta vez, aos olhos de Deus e dos outros. Joy parte pouco depois.Essa história de amor tardio subiu aos palcos de Londres e estará em cena até 15 de dezembro. Se passarem pela cidade, não hesitem: Charles Dance (Lewis) e Janie Dee (Joy) retomam "Shadowlands", a notável peça de William Nicholson que Anthony Hopkins e Debra Winger já ofereceram em filme homônimo. Existem diferenças, claro. A peça tem o humor anárquico que o filme ignora, ou desconhece. O filme tem o dramatismo sóbrio que só os grandes planos permitem. Mas no palco ou na tela, a trágica ironia de Lewis é a mesma: a ironia de um pregador que disserta teoricamente sobre a importância salvífica do sofrimento; até o dia em que a teoria regressa para o testar com a mais brutal das experiências humanas. E com uma pergunta simples mas fundamental: por que amar se perder dói tanto?A resposta, a única possível, é dada por Joy na peça, quando a morte assombra um breve momento de intimidade terrena. "A felicidade de agora será parte da dor de então".Precisamente. E eu, mudo e parado na platéia do Wyndham's Theatre, sorrio por dentro e agradeço novamente. Na infância, Lewis oferece o encantamento de um outro mundo; na idade adulta, oferece a única certeza deste. A dor que sentimos pelas pessoas que amamos faz parte da felicidade que tivemos. Porque ambas são a condição de ambas.

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