Wednesday, March 05, 2008

 

Meu Deus....

Num capítulo do seu “As Variedades da Experiência Religiosa”, a ser publicado brevemente pela Contraponto, William James aborda o tema, há mais de um século, sobre como percebíamos as pessoas com fé ou tementes de Deus. O rigor e disciplina dos fervorosos adeptos vem acompanhados de um ar solene, por vezes mórbido e sombrio, ou então vindo a roldão numa atmosfera de crise, pessoal ou não. Então ele explorou a conexão entre a felicidade e a religião, perguntando: “...estariam estes conceitos conectados? E, caso não, poderíamos reconciliá-los”?

A chave estaria em primeiro trabalhar (n)a felicidade. Para o mundo ocidental, a bagagem deuteronômica judaico-cristã é um fardo e tanto, e o advento de Agostinho levou à proximidade com o Divino a um modo de viver mais austero e contrito. Alguns prazeres sensoriais realmente criam obstáculos no avanço espiritual de um indivíduo. E isso é universal, sem termos que fatiar tradições ocidentais e orientais, nem mesmo em sub-categorias teológicas. James dizia que os “religiosos” acreditam que sua fé e a alegria que essa possa vir a proporcionar seriam uma prova da verdade metafísica de sua crença. Ele fala de otimistas não-religiosos, mas depois fala de São Francisco e Walt Whitman. Ambos tinham uma abordagem meio cosmológica e panteísta em relação à vida, hiper-consciente no primeiro e inconsciente no último.

Então para a existência da sanidade mental não sistemática é necessária uma comunhão com a natureza sensorial. Precede a comunhão com o Divino, pois é nosso ponto de partida. Em Whitman isso é claro no poema “Song of Myself”. E São Francisco é o “instrumento” da paz de Deus. Nisso tudo, James faz uma justaposição então entre o estado de felicidade e o mal. Uns nascem predispostos. Mas têm que lutar contra o “mal” (evil) para atingir a felicidade. E aí podemos ter a religião como aliada ou não. Mas fazendo a distinção entre o essencial e o substancial.

Mas ele também cita o agnóstico e seu “contentamento com o finito” (sic) indicando que isso era a visão de que o universo era uma “carapaça de lagosta”. Ele crê nessa espécie de multilateralidade do universo, mas ainda assim temos muitos problemas filosóficos. Estaria Deus vivo, dentro do esquema universal? No esquema cabalístico temos o Emanador e o Receptor, nas origens. Nada de Deus, como o imaginamos ou pensamos. Então uma abordagem estritamente comportamental e universal não dá para o começo da conversa. Nem em ritos, pois o que é profano para alguns é sagrado para outros. Então a dosagem de racionalismo a ser imposta ao espiritual não deve ser desprezível.

Ainda assim, voltamos ao metafísico para obter resultados objetivos. Ou seja, na enfermidade ou doença (disease), ao tirarmos o prefixo em inglês, poderíamos obter uma calma de estar ”at ease”, ou em paz. Então a falta de paz é associada, nesse contexto linguístico, a uma doença. Ou seja é óbvio que há muitas falhas e charlatanismo no processo. Entretanto temos muitas histórias de sucesso, caso contrário as falhas acabariam com as ilusões num argumento sólido e monolítico. Ou seja, a saída é acabar com a hierarquia entre homem e Deus. Realmente essa união é bem preconizada em várias tradições.

O trabalho e tentativa árdua, segundo ele, mais a determinação, são os verdadeiros mapas do insucesso. O relaxamento e falta de preocupação com o mundano seriam a chave. Hemingway é o exemplo do avesso disso, com sua vida mimética, usando seus diabos fictícios como auto-modelos e exemplos de conduta.

Para James, a passividade, ou “a capacidade para a incapacidade” nos livraria desse senso extremo de responsabilidade que afeta o nosso motor interno. Estaríamos relegando certas situações a algo fora de nosso controle. Algo a (não) se pensar a respeito.

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