Thursday, April 17, 2008

 

Meu Jota P. Cuenca... Marvelous....

O mundo que conhecemos não existe mais. O que há agora é outro, com regras e referências que ignoramos. No novo mundo, a cada momento temos a sensação de quem acorda de um sonho e não sabe onde está. Essa confusão, que normalmente dura o tempo de abrir os olhos, reconhecer o quarto e esquecer o sonho, para nós parecerá eterna. Não reconheceremos esse quarto sem paredes. Caminhar pelas ruas do novo mundo será tatear o escuro. Aqui, todas as esquinas serão desconhecidas. Na tentativa de criar algum sentido para o novo mundo, crio uma narrativa constante onde conto a você o que vejo: um pombo morto na calçada, uma batida de carros, a oração dos homens descalços, o rosto das mulheres bonitas, um suicida bêbado no metrô – a canção que cantamos para ele – e a neve. Que ontem caiu em plena primavera, às dez e meia da noite, quando arrastava a ponta dos pés mais uma vez pela Rue Oberkampf e ouvi um velho perguntar da janela: “Ei! O jovem senhor sabe para onde vai o branco da neve?” Apesar de saber a resposta, não disse nada. Porque também há grandes espaços de silêncio e horas de apegar-se ao vazio. Nesses momentos, quando não há o que contar, invento histórias mentirosas e as cochicho para uma pequena cópia sua que carrego enquanto procuro por um rastro dos seus olhos nos olhos da gente que passa pela rua. Mas ninguém te reconhecerá. Não é simples contar essas histórias – depois da nossa desaparição, me custa dar nome às coisas: uma árvore, um cão, uma colher, uma estrela, uma catedral, uma caixa de fósforos. As palavras flutuam sem amarras: não se referem a nada conhecido. São amontoados ininteligíveis de traços nebulosos, sem fronteiras definidas, início ou fim. A matéria do novo mundo se torna inominável, toda linguagem se traduz num esforço inútil. E não apenas as palavras me faltam. Eu mesmo, recorrentemente, tenho a certeza de que estou em outro lugar. Subindo a linha três, encarando meu reflexo ausente do outro lado do vagão, sou a sombra de mim mesmo – um outro que pegou um desvio qualquer e se afastou do que deveria ser. Depois dessa breve constatação, saio flutuando pelo oceano pútrido que é o metrô de Paris, em lentos movimentos dentro do meu traje de escafandrista. Que não fique nenhum engano: o novo mundo, onde tudo está deslocado e sem foco, é criação nossa. Nós somos os autores e as vitimas desse crime. Nós somos os arquitetos do doce desastre que esvazia gavetas e espalha nossos objetos sobre calçadas opostas do boulevard. Mas não restará culpa alguma: logo vestiremos o novo mundo como se tivéssemos nascido nele. E tudo o mais será sentir-se abraçado pela lembrança de um sorriso. E aí, finalmente, aprenderemos a tirar a vertigem para dançar. E o novo mundo será inteiramente seu – e inteiramente meu.

Comments: Post a Comment



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Free Web Site Counter
Free Counter