Thursday, June 12, 2008

 

Jew-Dinha

O Seu Valença dizia aos uivos: “Mamãe, eu ontem passei mal e me lembrei de você, mamãããããã-e”. Acho gostoso falar com você, vovó, pois você já está em outra dimensão, mais orgânica, telúrica, com pensamentos infantis próprios; quiçá do tempo da argamassa com gordura de cetáceo. O HTTP 404 está presente na vida de todos e você não imagina... O bonito é que você não cria mais. Literalmente, mother, VOCÊ NÃO FAZ IDÉIA... Chega uma idade em que a cabecinha pára de fazer coisas. Abstrai da abstração. E você acompanha e comenta sobre a VarigLog e o desmatamento da Amazônia com um distanciamento cambaleante, formulado com uma certa ânsia, que não leva a conclusões. Você parou de concluir também. O que é bom. Não chegaremos nunca a nenhuma conclusão. Assim é a vida como você me ensinou. Melhor pensar nas promessas com santos de capa vermelha no Cenáculo, caminhadas no Centro, gibis, Tintim, cachorro quente no Rick’s e dentista em Copacabana. Sabe-se lá como era seu “mundo adulto”. Uma merda não é?

I am sorry... Deus conserta isso depois dessa. Realmente não adianta trocar de atacante nos 40 do segundo tempo. Pode ser tarde demais. Você tem uma saúde de vaca premiada. Todos olham pra você e se enternecem. Até na sua única foto com quatro anos de idade, em 1927, você tinha cara de ranzinza. Mas sempre com sorriso e bondade, como uma monge Zen de tanta porrada e imbecilidade que ouviu. Melhor mesmo era a pensão da mãe, ficar na Rua do Matoso, perto do canal. Sem pai, nem mãe. Repito, tudo literalmente. Mas voltando aos tempos de hoje, de Wi-Fi (não o Hi-Fi que seus filhos bebiam de adolescentes nos Anos 60) e cartões de embarque virtuais, você se senta na sua poltrona da Ikea e vê a dramaturgia nacional nas telas do canal campeão de audiência. Brinca com a tecnologia quando é um doppler (ganger?) e ainda puxa o varal interno com as roupas úmidas e pesadas. Esquenta o leite, come o tomate sem semente e a comida sem sabor. Melhor não arriscar né?

Ora vovó, é bom falar contigo, pois, por vezes é você, e outras vezes não sei quem é, alguém talvez distante, talvez próximo. Eu entendo, sou pai. Você não foi contaminada como seu companheiro, pela perdição dos livros, desse saber meio vaidoso, que ao mais nos tornar sabidos nas associações, nos levam a um profundo descontentamento com o estado das coisas. Esssa falsa sabedoria nos rouba o riso. Totalmente eclesiástica a coisa. Literal hein vovó! E olha que aqui tudo é literal mesmo nesse mundo. Você tá certa, não há nuance... Assim é que é bom. A tal da metáfora é também um mal que não assolou o seu ser. Curvas sinuosas de percepção não passaram pela barreira de seus glóbulos brancos. Que bom. Isso é muito profundo. Pois quando você fala e observa uma situação, você traz um ponto de vista único.

Não te chamo de mamãe, só de vovó. Pois te dei neta cedo pra burro, arre égua. Fiquei trocando fralda, parecido com você um pouco. Fui mãe. Acho que temos muito em comum, mas você tem a pureza... Sabe que eu também? Tive essa pureza como pai/mãe... Ou então, se você não a tem, disfarça bem pra burro. Toda mãe é pura, uma ironia, pois atinge esse estado após o ato de impureza numa espécie de depuração. Mas não leia essa frase não. Esses devaneios é que fazem mal. Isso... Deixa o carro na linha reta e não olha pra curva delirante que se acerca. Mas aí voltando ao que temos em comum, acho que muita gente encheu muito nosso saco a vida inteira não é? Eu adorei falar isso, taí. Como encheram e enchem o nosso saco, nossa...! Disso você entende e já vejo o teu sorriso.

Você só anda elegante, fez ginástica com a Elizeth, a Divina, que te queria muito, todos os vestidos feitos por costureiras, tailleur, um asseio na sua casa que chega a ser nauseabundo. TOC, Tok-Stock, Monk e monges. Mesa de jacarandá, azaléia florida e santos. O sol faz mal não é? Você não gosta mais... Domingo é dia de missa. Sem falta, onde quer que esteja. Que coisa legal, vovó. Você odeia palavrão. Você é do caralho.

Só queremos ficar quietos ou como você adora dizer “no meu cantinho”. Você não sabe falar inglês vovó, mas tem uma cantora canadense que começou com um disco e tanto. Disco, quero dizer, CD, que você já conhece, mas ainda chama de disco. Extração irlandesa, quero dizer, a família veio de lá. Agora ela anda muito chata. Sarah McLachlan. Seu disco inaugural é muito belo. Tem uma canção linda com o nome muito sugestivo, ou seja, muito bacana vovó. Chama-se Elsewhere. Bacana não é? Elsewhere quer dizer “outro lugar”. A letra é linda mas deixa prá lá. Quando você vier aqui eu te conto e canto ela todinha traduzida pra você entender. Te dou pão careca com presunto e guaraná zero, ok?

Obrigado por ter me parido. Deve ter sido um saco e desculpa pela trabalheira. Você é formidável e segurou vinte petecas e espanou trezentos mosquitos. Fica aí no seu cantinho vendo novela, que quando te ver vou dar aquele abraço que você não gosta de receber, pois você diz que machuca e parece que vou quebrar seus ossos e te despentear. Mas é assim mesmo. Todo mundo que amo, como te amo, quero matar com um abraço de sucuri. Deve ser algum defeito genético, ou Freud explica. Essa do Freud explica você sabe e gosta, sempre dá uma risada. Mas é batismal. Falei sucuri sem querer, mas ela leva a presa pra água e mata por afogamento... Vida nova a cada abraço.... Mas te dou o meu abraço sufocante, que vai despentear seu cabelinho fino e ralo, não laqueado. Quero quebrar seus ossos e que você não respire mais essa poluição, somente afeto. Desmaia, perca os sentidos... Você adora os abraços e afagos com mão pesada e sempre pede mais. E para que eu abra latas e compotas.... Um beijo vovó, se Deus quiser já nos vemos...

Ou então nos falamos quando estivermos sintonizados no mesmo canal... Vai em frente, pois a energia do mundo é assim, transita por aí e não fica parada. Foi bom o encontro, estamos unidos pra sempre. Ah, tou me comportando sim. Tou me cuidando sim. Sai caro pra burro, mas é bom. Um beijo vovó.

Comments:
Grande homenagem, dona vovó vai gostar. E certa está ela, de viver a vida sem conclusões. Há alguma, caro blogueiro?
 
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