Friday, November 28, 2008

 

Krugman e o Traveco Requentado...

KRUGMAN E O TRAVECO...

Paul Krugman é hoje quase uma unanimidade. Quase. Ninguém lhe nega o brilhantismo e um caráter inovador ao abordar os temas mais complexos da economia mundial. Sua principal arma é o bom domínio da retórica. Entretanto, como podemos observar ao longo de artigos de sua autoria, ninguém se insurgiu visando desafiar suas idéias como deveriam. Talvez um ou outro tenha medo de sair chamuscado do debate. Vamos dar uma passada em algumas coisas que Krugman disse e ver se seus proverbiais 15 minutos de fama (que já duram anos e lhe renderam um Nobel recente) estão prestes a se esgotar. Nada de livro e econometria, só as opiniões curtas, rápidas e rasteiras.

Ele nunca saiu da academia. Mas antes de vociferar e vituperar em jornalão foi para a revista on-line da Microsoft, Slate. Bill Gates não é bobo. Quando “fundou” a revista chamou Jack Shaffer, (então editor do alternativíssimo City Paper - da outra Washington, a capital) para se mudar para o estado homônimo, na Costa Oeste. Uma escolha peculiar, assim como a de Krugman, que se manifestava volta e meia, mas lá ganhou coluna regular. Depois foram escrever para Gates todo tipo de gente, até o Cristopher Hitchens. Saúde!

Os artigos eram saudados por todos com adjetivos como “brilhantes”, “magníficos”, de uma lucidez sem par. Mas, apesar da unanimidade em relação a esse bad boy da economia, ele não vem (re)inventando novas rodas e suas análises às vezes são rasteiras.
Trata-se de um economista interessante, com bom domínio da retórica, mas que peca pelo que mais critica: Krugman sempre afirmava que os economistas não vêm contribuindo em nada para melhorar a crise mundial, por falta de criatividade e de soluções. Pois ele tampouco propõe algo de radical e inovador. Como diria Ivan Lessa, gozado.

Talvez Krugman tivesse que ler Donald McCloskey, da Universidade de Chicago,
em seu produtivo e excepcional livro sobre a retórica econômica intitulado If You Are so Smart: The Narrative of Economic Expertise. McCloskey fala da arte de narrar
histórias e estórias econômicas. E questiona: se economista é tão esperto sobre dinheiro e finanças, todos deveriam ser ricos.

Mas Donald, conceituadíssimo, não gostava de ser homem e, após cirurgia, tornou-se Deirdre. Esteve até há uns anos no Brasil parolando. Se alguém acha que estou de brincadeira pode catar cavaco que ali tem. Ou melhor, tinha. Não mais. (Deirdre é importante e vai dar um nó tático no Nobel, adiante)

Nesse particular, quer dizer, no outro, o de narrar histórias e estórias econômicas, Paul Krugman é bom. Passa com louvor em parte do Teste McCloskey. Com ele, não existe o jargão “economês”, carregado de observações obscuras e “ineficientes” (sic). Afinal, na prática, um superávit comercial pode ser sinal de fraqueza, enquanto, para keynesianos, um déficit pode ser sinal de solidez estrutural.

Krugman questionava assuntos como o diferencial de salários entre os setores de serviços e de manufaturados, levantado por seu colega de escola Lester Thurow como sendo decorrente da jornada de trabalho, nada mais. Ele questionou Thurow na aritmética, um instrumental simples e eficaz, mas pouco utilizado por economistas hoje em dia.

Torna-se preferível manipular dúbias estatísticas. Um exemplo claro: um casal que ganha US$40 mil por ano. Com uma separação, a renda familiar cai pela metade, mas a renda individual permanece inalterada. E as manchetes do jornal já cantarolam no dia seguinte: “Cai a Renda Familiar...”

Não necessariamente.

Enfim, ele enxergou o óbvio. Seria gênio por isso? Ou se aproveitou da mídia para apenas “descrever sem prescrever”, sem dar uma antítese a várias teses? Aí está o problema com as teorias de Krugman. Ele é apenas um iconoclasta que derruba nem tanto os argumentos primários de um proponente, mas sim os desdobramentos de tal argumento levado a extremos. A frase mais bombástica de suas idéias sobre a competitividade é que seus defensores eram ineptos ao lidar com números.

E daí?

Mas justiça seja feita, Krugman descamba para a metáfora, para a visão lúdica e poética da arte (sim, a arte) de descrever argumentos econômicos, que escapam à compreensão mais genérica.

O Início

Foi como integrante do corpo de professores do MIT que Krugman escreveu o artigo que o catapultou para o estrelato, em 1994, na Foreign Affairs, intitulado “Competitiveness, a Dangerous Obsession”. O título escolhido então já denota uma certa jogada de marketing.

A competitividade era a grande panacéia no início dos anos 90 e ele se insurgiu contra a maré. Mas Krugman tratava, e ainda trata, apenas de (como disse acima) demonstrar o absurdo que é levar qualquer proposição ao extremo. Nesse artigo sobre a competitividade, ele demonstra que é inimaginável considerar que os Estados Unidos e o Japão – na época - (ou quaisquer países) seriam competidores, assim como a Ford e a GM. Houve até tubos de ensaio visando criar escolas de geoeconomistas e coisas afins, dada a obsessão com a competitividade. Coisa que vem desde Ricardo com a vantagem comparativa a Michael Porter com a vantagem competitiva. Mas foi a gênese paradigmática de Krugman que enfiou grãos de areia nos motores de teóricos mais apressados na economia (não na turma do MBA).

Sobre a competitividade, ele resumiu o problema em três vertentes. Segundo ele, como fator empírico, era um argumento infundado. Depois, definir problemas econômicos como decorrentes de competições internacionais é pouco atraente e contraprodutivo, não levando aos objetivos desejados em termos de política interna. Finalmente, a preocupação com a competitividade é tão perigosa que poderia gerar desvios na condução dessas mesmas políticas econômicas internas, tipo déficits visando financiar exportadores e proteger setores da excitação do embate, da partida, da competição, em que há um vencedor e um perdedor. Segundo ele, tal idéia vende bem. Nada mais. Aí está a ironia. Vende tão bem que ele entra no embate que critica. Ele compete com e contra a própria competição.

Voltemos ao meu traveco favorito. Aqui, vale a pena citar Deirdre McCloskey outra vez: “Como outras artes e ciências, a economia se utilizada tétrada retórica: fato, lógica, metáfora e estória. Portanto, quem deixa de usar parte da tétrada vai estragar sua ciência”. Aí é que Krugman escorrega.

Depois disso, já famoso, citado por todos os economistas modernos, Krugman mandou outro petardo controverso. Trata-se de um artigo, outra vez publicado na Foreign Affairs, intitulado “O capitalismo é produtivo demais?”.

Já de antemão, como se diz nos Estados Unidos, vê-se o sarcasmo no título escorrendo de sua boca. O primeiro parágrafo fala na eleição de Lionel Jospin na França, que marcou, a partir de 1997, uma volta dos socialistas ao poder na Europa desde a queda do Muro de Berlim, culminando nas eleições alemãs no final de 1998. Tendência já revertida. Segundo Krugman, há uma crença na “superabundância global, de que o capitalismo é produtivo demais para seu próprio bem e de que, graças ao acelerado progresso tecnológico e à difusão da industrialização nas economias emergentes, a capacidade de produção aumentou com mais rapidez que o volume necessário de produção”. Ou seja, a resposta dele ao concluir o artigo é de que o capitalismo não produz demais para seu próprio bem. Produção pouca é bobagem. Nesse artigo, ele passa um rolo compressor na esquerda. Que agora tantos afagos lhe faz...

A parte descritiva do artigo é boa e derruba alguns mitos. O que se esperava, após a crise da dívida do Terceiro Mundo, mitigada pela securitização da mesma através de Tesobonos e depois Brady Bonds? Esperava-se que o Terceiro Mundo fosse uma máquina mortífera de exportadores que, ao acumular um caixa respeitável de hard currency, pudesse assim começar a reduzir suas mazelas socioeconômicas. Qual nada. Conseguimos parte disso.

A economia mundial se transformara. Para poder exportar, é necessário importar mais e mais bens de capital. Como diria Krugman, suponha o encontro com “um economista de 1840 — quando a maioria se dedicava à agricultura e os têxteis ainda dominavam o incipiente setor manufatureiro — e que disséssemos a ele que, dali a 150 anos, cerca de 2% da força de trabalho cultivariam todos os alimentos e menos de 1% produziria todos os tecidos; e suponha que pedíssemos a ele que explicasse o que o resto das pessoas faria para viver”. Evidentemente, a resposta do economista, como diz Krugman, não seria satisfatória. E fica claro perceber que os franceses socialistas que pediam o fim do self-service no posto de gasolina – sob(re) Jospin - como forma de diminuir o desemprego, eram pessoas carentes de oração e piedade.

Krugman escreveu um artigo que repercutiu muito após a eclosão da crise tailandesa, quando o baht foi desvalorizado e ele, utilizando sua conhecida ironia retórica, disse que havia perigo de “bahtulismo” na região. Esse foi o artigo que Pedro Malan recomendou como leitura aos oficiais da corte então. O artigo critica a dependência do capital estrangeiro sem contrapartidas que assegurassem ao país em questão menor volatilidade no fluxo. Aqui ele consolidava sinais de sua pós-modernidade.

Outra vez, McCloskey: “Na filosofia, após o modernismo, conhecemos mais idiomas carecendo de seres humanos que os falem. Na arquitetura, conhecemos mais construções sem teto. Na pintura, mais quadros sem profundidade de campo. Na economia, passamos a conhecer mais modelos sem contato com o mundo real.”

A narrativa de Krugman é rica e fecunda. Mas uma maior supervisão oficial ao fluxo de capitais esbarra na invisível burocracia global, que ele tanto critica. Se estivesse tudo regulado e sacramentado não estaríamos metidos na encrenca atual, assim parece crer a grande maioria. Controlar como?

Auto-crítica

Contudo, em maio de 1998, ele mais uma vez publicou outra longa boutade na
Foreign Affairs, intitulado “A Fanfarronice dos Estados Unidos”. Diga-se de passagem
que esse é, talvez, um de seus artigos menos proféticos – apesar do título. Discorrendo sobre a (então) boa fase econômica de seu país, Krugman questiona outra vez os problemas estruturais na utilização de estatísticas e seu impacto empírico na economia com um exemplo curioso: o do motorista que leva o carro à oficina, pois toda vez que este ultrapassa 60 km/h começa a trepidar de forma perigosa. Ocorre que o mecânico viu que o hodômetro estava desregulado e que o carro começava a trepidar quando estava
andando, na verdade, a 80km/h ou 90 km/h. Enfim, podemos deduzir aonde
Krugman quer chegar com essa argumentação.

Ele ainda discorre sobre a “euroesclerose” e problemas estruturais asiáticos, com atenção especial voltada para o Japão. A parte mais interessante da análise diz respeito a como essas oscilações mundiais poderiam afetar o castelo norte-americano. Há observações que alguns poderiam ver como proféticas e que outros criticariam como falta de compreensão da atual integração dos mercados financeiros. Diz Krugman: “Nada disso indica, é claro, que os Estados Unidos estejam à beira de uma crise; sua economia parece fundamentalmente sólida. Mas o atual sentimento de que o país está no topo do mundo se baseia em um enorme exagero das implicações de alguns outros poucos anos ruins em outras regiões.”

Não é que outras regiões estivessem passando por momentos ruins, e sim a própria
implicação do que a crise — caso se tornasse endêmica, eclodindo de forma contundente
e decisiva — teria nos Estados Unidos. No auge das crises tailandesa e russa , o índice Dow Jones deu apenas uma tossida, caindo nos três casos não mais do que 2%. Ainda assim, recuperando-se no fim da semana. Portanto, o pensamento mais catastrofista de que países emergentes podem pôr os Estados Unidos e a Europa de joelhos não parece ser
confiável. Os fatos estão aí como prova. A ordem dos fatores agora alterou o produto.

Krugman joga por água abaixo a velha teoria de que o economista executa melhor sua tarefa quando olha para o passado como um paleontólogo, um geólogo ou um historiador. Usar apenas fato e lógica — elementos da tétrada citada por Deirdre McCloskey - não é suficiente nem para o raciocínio humano. Na economia, muito menos, pois após os resultados teóricos e as observações empíricas, o embate ideológico prossegue. Ou como diria McCloskey, “um economista é um expert que pode te dizer amanhã porque o que ele previu para ontem não ocorreu hoje. Ou seja, no prognóstico pode-se esperar apenas estar afortunadamente correto ou inteligentemente errado.”

Krugman, em relação à nossa penúltima crise cambial, com a posse de Armínio Fraga no Banco Central, escreveu um artigo em que o essencial se resumia a dizer que a política de juros altos não era apropriada. Ora, o mercado determina as taxas de juros e ninguém, em sã consciência, é a favor de juros altos. Quando eles assim estão, os únicos remédios são o purgante fiscal ou a embriaguez monetária. Dá no mesmo, cada um que escolha de acordo, como time de futebol.

Krugman cai de pau nos “especuladores”. Ele diz que não é um grande fã da série televisiva Arquivo X e de teorias conspiratórias em geral. Entretanto, “às vezes, as conspirações ocorrem (...) Soros ‘especulou’ contra a libra em 1992 (...) e um grupo de fundos tentou provocar a queda da bolsa de Hong Kong”.

Hmmm... Prêmio Nobel?

Cadê o Ronaldo Fenômeno quando preciso de um centroavante?

A tão propalada teoria conspiratória poderia ter uma pitada de veracidade? Claro que ele falou com muito sarcasmo e alguns fundos hedge são gananciosos. Novidade? Gênio
é quem enxerga o óbvio? Krugman. Sua aposta tinha dado lucros de dar inveja aos fundos hedge. Até chegar a crise. Virou unanimidade. Por falar o que não disse.

De volta a McCloskey, seria esperar demais que economistas fossem experts em como ganhar dinheiro? Se ser expert é a pessoa que sabe cada vez mais e mais sobre cada vez menos, corretores de ações não ficariam ricos se não dessem assessoria financeira a órfãos e viúvas. Mas economistas ficam famosos ao dar munição a governantes.

E o nome de Krugman não é, nem nunca foi mencionado, para despachar e dar pitacos oficiais junto aos barnabés e à nobreza instalada no pântano próximo ao Potomac. Já McCloskey seria parte da simbólica coalizão do arco-íris. Da escola de Chicago, cidade eleitoral de Obama.

Gozado.

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