Thursday, March 26, 2009

 

Augustine

Möchten Sie essen?
BLOG, TEATRO
Por Fernando Carneiro
Fiquei muito alegre de saber que a peça-monólogo de Eduardo Rieche sobre Santo Agostinho (”Inquieto coração”) voltou ao teatreco ali na Lauro Alvim - Vieira Souto, Ipanema, Rio de Janeiro, Brasil - para mais uma minitemporada. Eu, agostiniano ferrenho, tinha perdido a temporada passada e ontem, no chuvaréu, aguentei firme com dois espressos para não deixar a peteca cair. Deparei-me com as palavras elogiosas de Heliodora e Macksen, já em cartaz. Teatro é texto, com todo respeito aos cenógrafos, atores e assistentes.
Teatro também é interpretação e o que a dramaturgia faz com o texto. O teatro com texto agostiniano é melhor pois Rieche, em brilhante intepretação, ora contida, ora pulsante, deu o ritmo certo ao ciclotímico afro-descendente.
Rieche fala textualmente, e não na peça, sobre a influência de Agostinho em Descartes, Bergson, Kierkegaard, Freud e Nietzsche. Certíssimo. Santa Mônica, mãe de Agostinho, tinha muito que rezar. Como não gostar de um p(r)elado que implora a Deus “Pai me dê a castidade, mas não ainda….”. Vai pro trono! Tem algo de universal na ressaca agostiniana que o levou à conversão, mais profundo que algo visto com rapidez. “Aqueles que pretendem encontrar a alegria fora de si, facilmente encontram o vazio” Ou seja, o próprio Deus – para quem crê ou não – ele tatuou em sua alma.
Enfim, voltando à peça, (e o personagem-tema era uma também) o cenário é econômico, de bom gosto e perfeito. O texto flui e o empenho de Rieche é completamente recompensado. Daria um belo curta, um making of da peça com conversas agostinianas sobre a natureza do saber, essência da teoria da verdade, contrapontos da ética e estética, etc… Agostinho é quiçá o filósofo mais influente no pensamento ocidental depois de Platão. Ele nos leva pela mão com uma lógica simples e refinada e evita buracos tautológicos e axiomáticos. Há o das “Confissões” e o de “Cidade de Deus”. Diferentes. E é também o pai dos sacripantas. Quem tem culpa no cartório basta recorrer a ele. Somos absolvidos pela atemporalidade e dicotomia corpo-essência:
“…As realidades eternas são superiores às temporâneas… Não podemos conservar para sempre aquilo que é perecível e passageiro… A natureza do corpo é de categoria inferior à do espírito, e por isso o espírito é um bem superior ao corpo. Deste modo, qualquer alma é melhor que qualquer ser corporal, e nenhuma alma pecadora, para onde quer que tenha caído… por caso perde a prerrogativa de ser melhor que o corpo. Ora tendo a luz o primeiro lugar entre os corpos, segue-se que a última das almas sobreleva-se ao primeiro dos corpos… A alma, por maior que seja a depauperação e falta de embelezamento a que tenha chegado, superará sem dúvida alguma o valor de todos os corpos….”
Acho que fica mais uma semana em cartaz e somente terças e quartas. Deveria ter o hype que teve o monólogo de Clarice Niskier com Nilton Bonder sobre a “Alma imoral”. São monólogos complementares. Posto que como diria Agostinho, “a verdade não é minha nem tua, para que possa ser tua e minha”. Não percam de jeito nenhum. E se Rieche desistir, vamos mandar ele declamar isso tudo em praça pública com um Bolsa Cultura desses. A alma precisa de alimento. Alimento é essência e alma. Fica a pergunta pra Escola de Frankfurt: Möchten Sie essen? Se a resposta é afirmativa, não percam essa leitura agostiniana.
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