Thursday, February 03, 2011

 

Egberto Ontem




O segundo recital da série Concertos no Jardim trouxe ontem, na quarta-feira, dia 2 de fevereiro, o maestro e compositor Egberto Gismonti e a Orquestra de Sopros da ProArte ao Espaço Tom Jobim (dentro do Jardim Botânico mesmo) – para os incautos – que sempre surpreendem em termos de quantidade. Em tempos de inflação, vale dizer que a série é gratis.

Dizia o programa que “o frevo, o maracatu e o lundú seriam alguns dos gêneros apresentados em arranjos inovadores dos renomados Carlos Malta, Zeca Assunção e Matias Corrêa.” E foram. O grande clássico de Egberto “Frevo” teve pitadas de maracatu, curiosamente. O Malta estava sentado duas fileiras adiante. Músicos de renome estavam coalhados na plateia. Ele mesmo, um talento monumental cujos arranjos estavam bem ricos e criativos, ouvia embevecido um dos maiores compositores vivos do planeta.

Egberto faz com Hermeto uma espécie de dupla onde o populacho fica num pedestal de melodias e harmonias indescritíveis. Sangue italiano e libanês de Carmo e karma. E pode ser que tenha uma programação de Ivettes e Luans, como diria Dapieve, mas Egberto e Hermeto não tem por aí todo dia, e como não sobram muitas horas no meu caminhar por esses senderos terráqueos, tenho que agarrar a oportunidade. Como eremita e “hermetão”, somente assim para enfrentar os bafos do Coisa Ruim, com as temperaturas de Alighieri. O acaso nos concedeu uma refrescada após a queda do sol no horizonte.

O programa ainda me auxilia mais ainda, e algo que Egberto contou à plateia. “Há menos de um ano, a orquestra carioca, formada por jovens de 17 a 25 anos, passou a se apresentar com [Gismonti] em concertos e festivais por várias regiões do país.

- Eles estão felizes e eu também. É uma diversão e daqui a um tempo alguma coisa que ainda não sei o que é sairá deste encontro - garante o maestro….”

Bom, de fato o que se pode ouvir foi primeiro Egberto sentado ao piano numa espécie de rapsódia de suas várias mélanges musicais, onde quem conhece a obra pode ouvir e ver um destaque especial dado ao “Fantasia” de 1982 – no original ele tocou com sintetizador OBX - que ele mesmo chamava de “obsha”. Ouvi ecos de “Palácio de Cristal” e outros temas do disco de enfiada. Depois voltou a temas (acompanhado da Orquestra) do “Em Família” de 1981, e seus grandes hits como “Frevo” e “Palhaço”.
Além dele mesmo tocar Villa-Lobos (Miudinho das bachianas), nessa colagem sonora que evoca tudo ao mesmo tempo.

No piano tem ecos de Tom, Debussy, contrapontos meio Chopin, Mussorgski, de tudo um pouco. Uma nota apenas - dissonante - para enfeitar uma melodia circular, e uma quebra de compasso e parâmetro para ilustrar um tema que é quase uma “fuga” ou “fantasia” mesmo, em “musiquês”. O cara é sacanagem, por isso na minha religião, que como a dele, é a música, ele é santificado e reverenciado – deveria ser parte do currículo escolar público no Brasil. Seria a única teocracia tolerável. A respeito de “música” em si ser expressão do Divino, basta consultar os grandes filósofos agnósticos, pernósticos e ateus. Eu não vejo Deus, com meus cinco sentidos, mas ouço ele com muita frequência.

Realmente no nosso universo esses caras é que deveriam lotar uma temporada de Municipal de meses, como nos grandes centros da música. Pois é o seu quintal. Pela demanda, observamos que a oferta não foi suficiente.

A Orquestra tem meninos aplicados, jovens em formação, que precisam realmente do pulso firme de um maestro permanente. No caso deles houve uma perda exatamente dessa figura que era mais que isso. E estavam já com um projeto de reverenciar Egberto, o primeiro no qual a reverência seria a um músico que ainda respira.

http://www.youtube.com/watch?v=QWxv_VFCx-s

Deixo aqui (nesse link aí arriba) no post a versão original de Lôro, no Youtube existem outras, somente no piano solo, uma dedicada a Hermeto até. Como disse um amigo, dos guitarristas mais exímios no país tecnicamente, essa canção, que ele tocou aliás, tem uma linha melódica de repetição contínua de apenas uma nota. E é algo absolutamente rico. Acho que somente Tom e Egberto demonstraram ao mundo o poder de uma nota apenas, dentro de um contexto harmônico mais sofisticado como revestimento... E Lôro é isso. Como ele estava tocando ali no JB, baixou talvez esse repertório 80s, em termos de “gismontiana”.

P.S. Não deixem de ouvir também o trabalho de duos de piano de sua filha, o “Gisbranco”, e para quem é “aficionado”, o Hamilton de Holanda lançou disco reverenciando somente Egberto e Hermeto. Vi milhares de apresentações desses dois expoentes de nossa música, multi-instrumentistas que fazem coisas que não teríamos capacidade de fazer nem com anos de aplicação e dedicação, ambos com o dom do sopro divino.

Em termos de música instrumental brasileira é o que há de mais superlativo por aqui feito. Juntos, vi apresentação somente fora do Brasil, uma vez, mas aí chega a ser um “overload” emocional pois depois de ouvir Egberto, vem um Hermeto e parece um tsunami, o teatro desaba.

São sim já clássicos pois trabalham com essa dicção erudita na obra popular. Como fazia o Villa. Só que ao contrário. Nada diferente.

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